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São Paulo – Para muita gente, São Paulo é sinônimo de barulho, pessoas sempre com pressa, ruas movimentadas. Mas não é essa a São Paulo de Alice Ruiz. A poeta paranaense, há cinco anos na capital paulista, mora em um lugar tão tranqüilo que a inspiração não poderia ser melhor.

O sotaque ainda tem marcas inconfundíveis, mas São Paulo parece ter feito bem a uma das mais importantes escritoras paranaenses. "Curitiba é a mãe, eu nasci em Curitiba. Se você disser que não gosta da sua cidade natal, é como se não gostasse de você mesma. Mas é claro que há uma relação psicanalítica de amor e ódio, de mágoas, de gratidão, de decepção. Enfim, mãe não é fácil! E, cá entre nós, a mãe é sempre culpada de tudo. Do bom e do ruim que há em nós", revela em entrevista ao Caderno G.

Mas foi em São Paulo que a poeta e compositora encontrou novo ânimo para produzir. Ela divide o tempo entre cursos de hai kai (técnica japonesa de poesia), palestras, oficinas e shows. "Eu acho que na verdade me mudei de Curitiba porque não queria envelhecer, no sentido de ter pique de produzir, ter vontade de encarar desafios e coragem de começar coisas novas. Eu não sei se todo mundo é assim, mas eu preciso ser provocada, eu preciso de desafios". afirma.

Desafios não faltam numa cidade como São Paulo. Pela primeira vez morando longe da família, Alice aproveita a solidão da maior metrópole do país. "Eu confesso que amo a solidão! Amo estar só. É o jeito da minha cabeça funcionar, de eu poder me envolver completamente com o que estiver produzindo no momento. No meu caso, a solidão é altamente produtiva", confessa.

Ela, que só lançou o primeiro livro aos 34 anos, já tem 15 publicações, 50 músicas gravadas e muito história para contar. A letrista resolveu levar a música a sério, tanto que essa tem sido uma de suas principais atividades: "Em São Paulo, estou trabalhando bem mais com música, com letra, escrevendo mais, sendo muito mais provocada. A maior parte dos meus parceiros mora aqui".

No dia 29 de março, no Sesc de São Caetano do Sul, Alice sobe ao palco para um show em homenagem a Itamar Assumpção. Um amigo que deixa os olhos da poeta cheios de lágrimas. "O Ita sem dúvida foi meu principal parceiro. São 30 músicas, ao longo de 20 anos de amizade e parceria. E, na maior parte desses 20 anos, ele foi meu principal interlocutor. Era a pessoa pra quem eu ligava sempre que precisava de oxigênio", lembra.

Itamar morreu em 2003 e, embora tenha sido o grande parceiro, não foi com ele que Alice fez seu maior sucesso musical. Foi com Arnaldo Antunes. "É a minha música mais doída, mais verdadeira. Não que as outras não sejam, mas aquela letra nasceu num momento terrível da minha vida. Eu ainda acho que no dia em que eu morrer, vai sair no jornal – ‘Morreu a mulher que fez ‘Socorro’’", diz.

A primeira a gravar "Socorro" foi Cássia Eller, em 1994. A letra, musicada pelo ex-Titã, é de 1986. Depois de Cássia, o próprio Arnaldo gravou o sucesso, além de Gal Costa e da cantora curitibana Rogéria Holtz. Rogéria deve gravar ainda neste ano, o CD No País de Alice, com composições da poeta com vários parceiros.

Alice também pretende lançar um CD inédito de Itamar Assumpção, com músicas feitas pelos dois. Além disso, a Editora Iluminuras vai reeditar Vice Versos e Pelos Pêlos, livros que estão fora de catálogo. Com o primeiro, a poeta curitibana ganhou o Prêmio Jabuti de Poesia, em 1989.

Leminski

A mudança para São Paulo não foi apenas uma mudança na rotina (que ela garante não ter). Morando em outro lugar, Alice tem sua obra dissociada da de Paulo Leminski, com quem foi casada durante 20 anos. Em Curitiba, essa separação era mais difícil. "Lá, eu sou viúva de monumento. Aqui, as pessoas estão ocupadas comigo e não com a porta-voz. Interessa o que está sendo feito, produzido. Não tem essa relação com o passado", observa.

Alguma mágoa? "Eu não tenho queixa de Curitiba, não é isso. Mas a pedreira com o nome do Paulo é porque ele morreu! O grande reconhecimento só vem depois de morto. Às vezes, eu acho que as pessoas têm receio de aprovar demais alguém que está vivo, porque a pessoa pode mudar, trair seus ideais, se transformar em outra coisa. Depois que morre, pronto! Aí não tem mais perigo, a pessoa é aquilo", avalia.

A obra de Leminski cresceu a tal ponto depois da morte do poeta, que Alice se viu obrigada a reavaliar o próprio espaço na cultura paranaense: "Eu levei muitos anos pra superar a perda do Paulo! E, nesses anos, eu era cutucada, não parava de dar entrevistas. Eu acho que já fiz o bastante. Eu preciso da minha energia pessoal, até pra continuar trabalhando com a obra dele".

A obra dos dois inclui várias parcerias, mas a maior delas sem dúvidas foi na vida pessoal. São duas filhas, Áurea e Estrela, e a neta Lorena, de três anos. "Eu me vejo nas reações dela, vejo o Paulo. Está tudo ali, misturado. Você acha pouco?", comenta. E o segundo neto já está a caminho. A filha mais nova, Estrela, está grávida. "Quando a Áurea engravidou, fui com ela ao cemitério contar pro Paulo e disse: Polaco, nosso DNA continua!", continua.

E ela vai ter mais do que poemas e músicas pra mostrar aos netos. Este ano, deve sair do papel o projeto de um filme, que conta a história de dois poetas que viveram nos anos da contracultura. O nome será Alice e Paulo. Autobiografia? "Totalmente", confirma Alice. E já que é pra mexer nas feridas, ela mesma se encarregou do roteiro. "Eu conto 10% de tudo. (risos) Não dá pra resumir 20 anos em uma hora e meia", revela.

O longa-metragem será produzido pela Academia de Filmes. Pra viver Alice, dois nomes foram sugeridos – Cláudia Abreu e Mariana de Moraes (neta de Vinícius de Moraes). Já para viver Leminski, há uma grande dúvida, pois, nas palavras de Alice, "vai ser difícil encontrar alguém que passe toda a vitalidade, a energia e a veemência" do poeta. Dúvidas futuras, já que o projeto ainda está na fase de captação de recursos.

A própria Alice Ruiz assina o roteiro, em parceria com Marcos Pamplona. E avisa: "É uma história de amor. Duas pessoas apaixonadas! Não só uma pela outra, mas apaixonadas pelas coisas em que elas acreditavam juntas."

Leia mais sobre a obra de Alice Ruiz no site www.aliceruiz.mpbnet.com.br.

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