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 | Ilustração: Robson Vilalba
| Foto: Ilustração: Robson Vilalba

"Como podemos ficar de boca aberta só porque o papa carrega sua própria mala?", pergunta o padre eslovaco Lubomir Žak, 48 anos, professor de Introdução e História da Teologia na prestigiada Universidade Lateranense de Roma, cidade onde vive. O próprio religioso responde: os queixos caem porque a postura da Igreja, anteriormente, não se mostrava bem assim. Caem porque os homens e mulheres do século 21 não vão acreditar em alguém cuja conexão entre fala e vida sejam duas pontas difíceis de amarrar.

Sem ser propriamente um pastoralista – Žak é autoridade em teologia russa, luteranismo, ecumenismo e epistemologia religiosa – o pesquisador não tem como ignorar os sopros de renovação trazidos por Francisco desde a posse, em abril. Mexem com as ruas. Ele bem vê. E indicam que clero, religiosos e fiéis estão sendo convocados a se engajar numa "mística de solidariedade". "Francisco não é o primeiro papa a se comportar dessa maneira", observa, com justiça, mas está dada a mensagem de que algo está fora de ordem, no melhor dos sentidos. O povo vai pedir mais Franciscos, sugere ele.

Lubomir Žak é professor visitante do programa de pós-graduação em Teologia da PUCR e esteve no Brasil esta semana.

Os pobres e a pobreza se tornaram uma questão estratégica para a Igreja do século 21?

Diria que o tema da pobreza é de grande importância nesse momento em que a Igreja é chamada à conversão. Eu me pergunto como é possível que a miséria dos outros não suscite em nós os mesmos sentimentos que animaram São Paulo e os primeiros discípulos. Existem, é claro, muitos religiosos e leigos exemplares. Todavia, nas nossas comunidades ainda falta uma mentalidade de solidariedade. É como se os pobres não tivessem nada a ver conosco, ou nos preocupássemos com eles apenas esporadicamente.

Depois do período dos apóstolos se desenvolveu no cristianismo primitivo um culto à pobreza. Essa mentalidade se impõe hoje?

O que dizer dos primeiros anacoretas? A partir da época pós-apostólica, esses monges começam a introduzir o ideal de "vender tudo" para seguir Jesus. Resta perguntar se ao colocar a pobreza absoluta no centro da vida eles acreditavam estar inaugurando um cristianismo "exemplar". Mas pode ter sido uma escolha pessoal. Uma experiência do ar puro do Evangelho num momento em que as comunidades cristãs se acostumavam a receber a proteção dos mais fortes.

O mesmo se pode dizer de São Francisco de Assis. A escolha da "irmã pobreza" faz parte da sua história, da sua maturidade na fé. Sem dúvida, foi um gesto intenso. Francisco colocou em dificuldade aqueles que viviam um cristianismo pouco parecido à pregação de Jesus.

A Igreja se distanciou da "mística da pobreza"?

A expressão "mística da pobreza" não pode ser separada da ideia da pobreza social, que é uma condição de vida negativa. Os verdadeiros pobres são aqueles que não têm direitos, segurança, assistência médica, acesso à educação. Essa pobreza não pode ser um bem. A própria História da Igreja é tecida das experiências de solidariedade de numerosas ordens religiosas em prol dos mais fracos. Mas, não podemos esquecer que hoje se expande a "pobreza" espiritual, cultural e relacional. Pessoas que estão socialmente bem vivem como "pobres", vazios de ideais, solitários. A propósito, em vez de "mística da pobreza" prefiro falar de "mística da sobriedade" ou em "mística da solidariedade".

De que pobreza fala o papa Francisco?

O tema da pobreza no cristianismo é de enorme complexidade, por isso deve ser tratado com equilíbrio teológico ou histórico. De um lado, é notável que os chamados "anawin" – os pobres – foram considerados pela tradição neotestamentária como "benditos do Senhor". Por outro lado, o povo eleito foi convocado a respeitar as prescrições que pediam que os pobres, sobretudo se pertencessem à mesma nação, fossem libertados da sua condição precária.

Jesus, por sua vez, disse palavras inequívocas sobre a pobreza. Elevou-a ao valor de bem-aventurança, impondo-a àqueles que deveriam anunciar o Reino dos Céus. No entanto, não convidou seus seguidores a uma experiência de empobrecimento voluntário. Não inaugurou como norma a práxis de mendigar. Ao contrário, os 12 apóstolos se deixaram ser assistidos pelos benfeitores, incluindo a segurança de uma provisão em dinheiro.

Em miúdos, com qual tradição conversa o santo padre?

A impressão é que o papa Francisco inaugura uma nova orientação de experiência eclesial. Até mesmo os não crentes estão impressionados pela escolha da casa em que habita, da sua decisão de usar sapatos pretos simples, da proximidade com os pobres e os doentes, pela concepção que tem dos bens materiais da Igreja. Não é o primeiro a se comportar assim. No entanto, faz muito tempo que não se perguntava àqueles que ocupavam encargos na Igreja sobre a importância de viver de modo sóbrio, contribuindo para a credibilidade das testemunhas de Cristo.

Se o modo simples de viver, falar e agir do papa atinge tanto os católicos quanto a opinião pública, e se hoje muitos desejam que este "estilo franciscano" contagie a pastoral na Igreja, isso significa que no período precedente dominou um estilo um pouco diferente. Me pergunto como é possível que permaneçamos com a boca aberta pelo simples fato de que o bispo de Roma leva consigo a própria mala de viagem. Ou que faça sozinho uma chamada telefônica para amigos. Ou que renuncie às férias de verão para trabalhar. Tudo isto faz parte do dia a dia, quanto mais daqueles que conhecem a frase: "As raposas têm suas tocas, os pássaros os seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça".

E na prática, o que muda?

Penso que está sendo pedido aos guias do povo que redescubram o valor do convite de Jesus para irem "sem calçados, sem dinheiro, sem bastão..." Os homens e mulheres de hoje dificilmente vão dar credibilidade a quem estiver no púlpito, pregando a experiência humana e cristã, se essas pessoas se mostrarem sempre superassistidas, gozando com todas as seguranças, a tal ponto que o público tenha de fazer um "esforço mental" para encontrar algum nexo entre a vida de quem prega e as palavras que diz.

Colaborou padre Márcio Fernandes, cmf.

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