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Emílio de Mello e Fernando Eiras em In on It | Bruno Tetto/Divulgação
Emílio de Mello e Fernando Eiras em In on It| Foto: Bruno Tetto/Divulgação

Na superfície, In on It é muito simples. Tão simples quanto possa ser um casaco: a peça de roupa passa das mãos de Emílio de Mello a Fernando Eiras – ora num gesto impensado da pressa cotidiana, ora num empréstimo que trai a intimidade entre os dois. Num instante, porém, é mais: é tudo o que resta.

A perplexidade se arquiteta pouco a pouco, sem que se perceba, na peça escrita pelo dramaturgo canadense Daniel McIvor, apresentada no Guairinha pelo Festival de Curitiba. Antes (e depois) que ela se imponha, emudecedora, o humor distrai. Num arco temporal de uma hora de espetáculo, o que se passa é a vida, quase sempre corriqueira, tantas vezes engraçada até nas brigas e implicâncias a dois, mas que subitamente se agrava.

Eiras e Mello interpretam dois atores cujas relações pessoais interferem na peça que estão montando juntos. Gradualmente, dá-se conta do que também a obra de ficção tem a dizer sobre a realidade deles. O texto assim se abre em duas camadas, e mais uma terceira que é o passado, enquanto os dois se desdobram em personagens, homens e mulheres diferenciados pela sutileza mesmo quando incorporam o estereótipo. A direção de Enrique Diaz é impecável ao reconhecer cada movimento do texto astucioso e traduzir em um jogo limpo.

In on It pode ser pensado como um marco no teatro brasileiro: o ponto em que o teatro contemporâneo encontrou o público. É uma convergência invulgar.

Vê-se com frequência o espectador comum atordoado diante das operações de metalinguagem. Embaralhamento entre ficção e realidade. Interação com a plateia. Desdramatização da cena. As ideias soam tão herméticas e enfadonhas quanto às vezes acabam sendo na prática. Em outras ocasiões, quando bem realizadas, ainda exigem um verdadeiro arsenal para a decodificação.

Enrique Diaz mesmo dirigiu antes espetáculos de grande complexidade pelo modo como desconstruíam textos canônicos para sobre eles trançar uma teia de novos significados, atualizados pela contribuição biográfica dos atores. Criou por esse procedimento montagens riquíssimas, como Ensaio.Hamlet e Gaivota. Sem conhecimento prévio do conto de Chékhov, contudo, algo escapava (ainda que sem comprometer a totalidade do espetáculo).

O que mais surpreende em In on It são como as estratégias se aplicam com inteligência, sem chamar a atenção para si mesmas. A peça entrega ao público as chaves para compreendê-la. A metalinguagem, por exemplo, não se apresenta como um exercício de interesse apenas de quem faz teatro, é proposta na relação com quem vê.

"Você acha bom começar as­­sim?", pergunta Eiras depois de uma cena de ilusão. No momento em que o diz, o público se sente integrado. E com naturalidade se dispõe à resposta mais perseguida na arte contemporânea: que una as pontas e, ativamente, raciocine sobre o que vê. E o melhor, com prazer, como comprovaram as três salvas de palmas na apresentação de quarta (24) e quatro na de quinta (25).

A experiência, afinal, não se limita ao envolvimento lógico. Atinge emocionalmente. Conduzindo a plateia da lágrima ao riso, faz pensar no amor, na morte, no casaco, no xampu, no trânsito, no teatro, no existir. GGGGG

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