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Simone Spoladore, Felipe Hirsch e Daniela Thomas: Insolação em Veneza | Filippo Monteforte/AFP
Simone Spoladore, Felipe Hirsch e Daniela Thomas: Insolação em Veneza| Foto: Filippo Monteforte/AFP

VENEZA - Felipe Hirsch precisou correr para terminar Insolação a tempo da apresentação na mostra Horizon­­tes, do 66.º Festival de Veneza. A pri­­meira cópia veio literalmente em­baixo do braço. Sua estreia no cinema, ao lado de Daniela Tho­­mas, é um belo ensaio sobre a utopia do amor, filmado numa Brasí­­lia quase irreconhecível, de espaços vazios e prédios abandonados.

Os personagens são Leo (Leonar­­do Medeiros), que se encanta por uma jornalista (Maria Luísa Men­don­­ça) e por quem a adolescente Zoyka (Daniela Piepzsik) é apaixonada; Vladimir (Antonio Medeiros), um garoto que se envolve com uma moça mais velha (Leandra Leal); e a irmã dele (Simone Spo­­ladore), que vaga atrás do amor per­­feito. Todos eles são reunidos pelo personagem de Paulo José, que se dirige à câmera como se estivesse no palco e fala dessa utopia que falhou.

A sessão oficial, na tarde do último domingo, teve ocupados 2/3 da sala Darsena, para 1.300 espectadores, e, apesar de algumas desistências, o filme foi bem aplaudido ao final. O cineasta falou com exclusividade à Gazeta do Povo sobre sua estreia no cinema e no Festival de Veneza.

Como é estrear no cinema exibindo seu filme num dos três principais festivais do mundo?

Fico envaidecido, feliz, tenho um orgulho enorme. Ao mesmo tempo, são 12 dias concentrados. E o filme é uma idéia que está no ar, vai existir. Esse foi nosso foco. Nossa pretensão artística foi muito grande. Mas não tinha pretensão de estar aqui no Festival de Veneza.

Sente-se estreante de novo?

Só no evento. No cinema, não. Não vou dizer que eu me sinto em casa porque só me sinto em casa na minha casa mesmo. Mas parecia que eu estava visitando velhos fantasmas meus.

Como se deu essa passagem para o cinema?

Sou muito curioso e sempre tive esse sentimento artístico que me permite cruzar fronteiras. O teatro foi meu caminho por muito tempo, e será. O cinema é mais um deles. E as artes plásticas, a literatura... O filme tem essas coisas: literatura, artes plásticas, arquitetura. Lógico que eu gosto muito de passar rasteira em mim. No seguinte sentido: eu não sei isso, preciso ter medo e coragem para passar por isso. É assim que eu consigo trabalhar. De outra forma, eu sou muito rebelde, não me interessa mesmo. Rico, eu não vou ser mesmo (risos). Então que pelo menos eu consiga traduzir minha personalidade e mostrar o que eu penso do mundo.

A arquitetura de Brasília é muito forte no filme.

Brasília foi construída no momento de uma utopia, de um novo ho­­mem de um novo país, relacionada ao que estava acontecendo no mun­­do. E existia um sonho nas artes, inclusive na arquitetura. Em algum momento, isso se esqueceu, se perdeu, falhou, e foi para um outro lugar. E Brasília acabou também sendo essa parte esquecida. É um lugar onde amores nascem, morrem, reutilizam a paisagem já reinventada por outro sonho. A gente repete que as coisas falham, mas elas existem quando devem existir, elas duram o que elas devem durar, como a paixão, o amor. O filme foi lapidado para buscar esses sentimentos, de paixão, como foi nesse momento no nosso país. Vivemos numa época cínica em relação ao amor. Como lida com isso?

O Domingos de Oliveira me disse que os únicos temas são a paixão e o amor. Acreditei nisso e está difícil de me convencer do contrário. O cinismo não diz respeito ao amor, porque o amor é muito mais forte que tudo isso. Na verdade, diz respeito a uma característica de uma geração que vai se desconstruir e construir de novo. Quando começamos a tratar dos contos russos, nós os buscamos porque neles parece que vai acontecer pouco mas acontece muito sentimento. Um grande teórico russo chamado Victor Chklovski dizia que os russos são capazes de escrever com a intensidade verdadeira da palavra, sem cinismo. Como traduzir isso em imagens? Como ter intensidade emocional sem diluir-se pelo cinismo e pela ironia? E ao mesmo tempo contendo o discurso irônico moderno, de capacidade de análise que existe hoje. Não sei se Insolação é a resposta, mas esta foi a nossa busca.

A Daniela Thomas é sua parceira no teatro há muito tempo, você como diretor e ela como cenógrafa. Por que ela era importante para o filme?

Essa divisão de direção e cenografia não é justa. Talvez essa divisão só aconteça no teatro porque a Daniela não tem tempo para o teatro. Se ela tivesse, nós dirigiríamos todas as peças juntos. Temos uma relação de conceituadores. Só que a Dani não pode acompanhar o dia-a-dia, o teatro se faz de outra maneira. Porque o cinema se faz em muito mais tempo, são cinco, seis anos, mas é como se você flutuasse. No teatro são cinco meses como se você estivesse enterrado num lugar. Era natural que essa parceria se transferisse para o cinema. (MM)

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