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“Helen (Martins) era uma mulherzinha comum até os 50 anos, poucas vezes saía da África do Sul, não tinha nenhuma noção de arte. Ela começa a pintar móveis e a fazer estátuas. E estoura essa escultora gigantesca, fantástica.” 
Cleyde Yáconis, atriz | Divulgação/CCBB
“Helen (Martins) era uma mulherzinha comum até os 50 anos, poucas vezes saía da África do Sul, não tinha nenhuma noção de arte. Ela começa a pintar móveis e a fazer estátuas. E estoura essa escultora gigantesca, fantástica.” Cleyde Yáconis, atriz| Foto: Divulgação/CCBB

Fernanda Montenegro não é a única atriz a exibir, do alto de seus 80 anos, uma invejável disposição (e igual talento) para interpretar mulheres fortes. Nem a única a contradizer a crença de que são escassos os bons papeis para aquelas que ultrapassaram determinada idade. A três semanas de seu aniversário de 86 anos, Cleyde Yáconis também tem impressionado plateias por onde passa com a peça O Caminho para Meca, que chega ao Guairinha no próximo fim de semana, pelo projeto Centro Cultural Banco do Brasil Itinerante.

Seus cinco trabalhos anteriores já envolviam "mulheres estraordinárias", nas palavras da atriz. Personalidades marcantes, como a ensandecida Mary Tyrone em Longa Jornada Noite Adentro (papel vivido por Katharine Hepburn no cinema), de Eugene O’Neill.

A sequência de personagens notáveis se completa com a sul-africana Helen Martins, de O Caminho para Meca, comprovando o excelente momento da atriz.

Tempo

O tempo transcorrido desde sua estreia, substituindo outra atriz na montagem de O Anjo de Pedra, de Tennessee Williams, feita pelo Teatro Brasileiro de Comédia em 1950, lhe acrescentou "aprendizado". Em troca, não lhe tirou "nada". "A arte é generosa", diz Cleyde Yáconis. Tem sido com ela. "Fico na minha casa quietinha, as propostas vêm me procurar aqui. É estranho, não preciso procurar. Quando estou terminando um trabalho, aparece o próximo".

Sua personagem atual foi escrita por Athol Fugard, autor sul-africano reconhecido pelo posicionalmento político contra o apartheid. Sua obra mais famosa é o livro Infância Roubada (no original, Totsi), que ajudou a adaptar ao cinema e foi premiado, em 2006, com o Oscar de melhor filme estrangeiro.

Athol partiu da biografia de uma mulher real, que descobre tardiamente o talento como escultora e se torna a principal artista outsider da África do Sul, para moldar a ficção.

Helen Martins (1897-1976) cresceu sob costumes conservadores, fiel à fé protestante. A descoberta de que não amava de fato seu marido e a morte dele a afastaram da igreja, rumo a um novo cenário de libertação: sua casa e seu jardim. "Helen era uma mulherzinha comum até os 50 anos, poucas vezes saía da África do Sul, não tinha nenhuma noção de arte", descreve Cleyde. Mas a viuvez a transforma, ao perceber que sua casa é simples e triste. "Ela começa a pintar móveis e a fazer estátuas para enfeitá-la. Quando acaba, vai para o quintal. E estoura essa escultora gigantesca, fantástica."

A boa recepção à obra de Helen, porém, esbarra no preconceito contra o que é diferente e em dogmatismos religiosos. A peça foca em um encontro de Helen com um pastor (personagem de Cacá Amaral) e a amiga Elsa, papel que passou a ser de Patrícia Gaspar, desde que a atriz Lúcia Romano (premiada por VemVai – O Caminho dos Mortos) se desligou da montagem por estar grávida. "A troca me revigorou, tive de me adaptar a duas artistas com pontos de vista completamente diferentes", diz Cleyde.

Yara Novaes, de quem se viu no Festival de Curitiba deste ano o belo espetáculo A Mulher Que Ri, dirige o trio em uma ambientação naturalista. "Gosto da Yara porque não tem nada de romântico, é enxuta. Não gosto de coisas melosas", comenta Yáconis.

90 outras

Pelas suas contas, a atriz já fez algo perto de 90 personagens. Seus maiores esforços, dedicou ao teatro, primeiro no TBC, mais tarde, no TCB – o Teatro Cacilda Becker, que fundou em 57 com a irmã, que o batizou, e o diretor Ziembinski. O polonês dirigiria, em 65, a primeira encenação de Toda Nudez Será Castigada, de Nelson Rodri­­gues, em que Cleyde interpretou a prostituta Geni – papel do qual Fernanda Montenegro abriu mão porque estava grávida de Fernanda Torres.

"Nunca pensei em ser atriz", conta hoje, quando sua vida se tornou inseparável do ofício teatral. "Sempre pensei na medicina." O motivo da mudança de rota? "É inexplicável. Só vou saber quando eu partir", diz. "Eu não sabia o que era representar. Não tinha ideia desse fator: criar um ser humano. Foi um aprendizado lento, profundo, não foi eufórico."

Nesse tempo todo, o que mais Cleyde aprendeu foi a "ler atrás das linhas". Tudo o que precisa saber para construir uma personagem, lá encontra. "Teatro é ouvir e pensar", define. Não foi diferente com Helen, e o resultado é uma interpretação festejada pela minúcia no talhe de sentimentos e contradições.

Na vida real, a escultora produziu com entusiasmo enquanto tinha inspiração. Secada a fonte, optou pelo suicídio. A peça, contudo, não chega até esse momento, tampouco adota um tom trágico. "Ela foi embora, mas deixou uma esperança. Quer cor e brilho. A vida não pode ser cinza, bege, pastel. É colorida", diz Yáconis, convencida: "A Helen é uma grande pessoa".Serviço: O Caminho para Meca. Guairinha (R. XV de Novembro, s/n.º), (41) 3315-0979. Texto de Athol Fugard. Direção de Yara Novaes. Com Cleyde Yáconis, Patrícia Gaspar e Cacá Amaral. Dias 30 e 31 de outubro e 1.º de novembro. às 20 horas. R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia-entrada e para clientes e funcionários do Banco do Brasil). Classificação indicativa: 12 anos.

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