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Festival de Gramado

"O cinema brasileiro é melhor que o americano", diz Ruy Guerra

Cineasta faz elogio cheio de ressalvas à nova safra de filmes nacionais. Representante do Cinema Novo, diretor será homenageado no festival

O cineasta Ruy Guerra, de 78 anos, fez um elogio – marcado por ressalvas – à atual safra de filmes nacionais, em entrevista coletiva realizada nesta sexta-feira (14), em Gramado. "Digo com toda minha idoneidade que considero o cinema brasileiro melhor que o americano. E nisso incluo até essas comédias ruins derivadas da televisão. É um cinema que, independente dos valores estéticos, de seus desequilíbrios e arrogâncias, representa melhor sua própria identidade do que os filmes que Hollywood faz hoje".

Nome importante do Cinema Novo, período em que dirigiu "Os fuzis" (1964) e "Os cafajestes" (1962), Guerra será premiado esta noite no Palácio dos Festivais, com o Kikito de Cristal, pelo conjunto de sua obra.

O diretor citou "Madame Satã" (2002), de Karim Aïnouz, "Baile perfumado" (1997), de Lírio Ferreira, "Cinema, aspirinas e urubus" (2005), de Marcelo Gomes, e "Nina" (2004), de Heitor Dhalia, como bons trabalhos da nova geração de cineastas. "A Tata Amaral fez uma das mais belas cenas de amor do cinema em 'Um céu de estrelas' [1997]. Também gosto do Beto Brant, mas não daquele filme que ele fez sobre ditadura, que é um período que ele nem viveu e não soube falar", opinou Guerra se referindo ao longa "Ação entre amigos" (1998).

Assim como o ator Reginaldo Faria, o diretor também criticou as imposições feitas pelas comissões que aprovam o patrocínio para a produção de longas dentro das leis de incentivo. "O que temos hoje é a política do cifrão, uma pasteurização de filmes como forma de garantir bilheteria. Porque as empresas, no fim das contas, querem retorno financeiro", analisou. "É extremamente perigoso padronizar os filmes para agradar todo o público e vender ingresso".

O diretor citou como exemplo "O veneno da madrugada" (2004), trabalho que ele diz que em função dá má distribuição, "nem alguns de seus amigos puderam assistir". "O que é melhor? Um filme visto por 50 mil, mas que ficará durante décadas, ou uma comédia ruim e descartável, que fará um milhão de espectadores agora?", questionou. "Cada vez mais procuro produzir com baixo orçamento para ter liberdade de fazer o que quero. E claro que isso não interessa aos patrocinadores".

Cientista do cinema

Autor de adaptações literárias para o cinema, como "Estorvo" (2000), baseado no romance de Chico Buarque, e "Kuarup" (1989), inspirado na obra de Antonio Callado, Guerra disse que atualmente não tem se empolgado com as histórias de ficção. "Tenho lido muitos livros de físicos e matemáticos nos últimos dez anos. Cheguei a um nível de paixão pelos cientistas que não encontro mais nos ficcionistas", revelou.

"A ficção entrou em um momento de causa e efeito total, onde não há mais liberdade para a surpresa e o inesperado", opinou. "Alguns livros de físicos e matemáticos são mais delirantes e engraçados que o dos autores de ficção. Eles me levam as gargalhadas como se fosse um Buster Keaton. São eles os verdadeiros loucos criadores".

Após comparação, o diretor ironizou. "Mas não me levem a sério. Acho que vocês, jornalistas, já devem ter percebido que não sou uma pessoa séria", disse, entre risos.

Sem dar maiores detalhes, o cineasta falou sobre seu novo projeto cinematográfico, "O tempo, a faca", que será filmado em cidades do nordeste. "É a história de uma vingança, inspirada em uma citação do Freud no livro ‘A interpretação dos sonhos’", contou. "Mas não pensem que ando me aprofundando em psicanálise. A inspiração foi só em uma citação mesmo".

Aos 78 anos, Guerra disse, em tom irreverente, que quer bater o recorde do colega Manoel de Oliveira, que aos 101 anos ainda continua na ativa. "Vamos ver se até lá não vão descobrir que não passo de um velhinho doido, que quer fazer cinema inspirado na física", brincou.

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