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A Música segundo Tom Jobim constrói narrativa a partir de sequência de canções sem muita preocupação com linearidade ou ordem cronológica | Divulgação
A Música segundo Tom Jobim constrói narrativa a partir de sequência de canções sem muita preocupação com linearidade ou ordem cronológica| Foto: Divulgação
  • Frank Sinatra e Tom, após o sucesso alcançado com a parceria com Stan Getz

É um documentário? É um musical? Não, é um filme de Nelson Pereira dos Santos. Talvez o filme mais enxuto feito pelo mais enxuto dos nossos cineastas. Diretor de A Música segundo Tom Jobim, em parceria com Dora Jobim, neta do compositor, Nelson escolheu enfileirar imagens e sons sem nenhuma preocupação de informar quem-o que-quando-onde, investindo apenas na força das canções. Claro, há um método na sua saudável loucura: um roteiro, assinado por Nelson e por Miucha Buarque de Holanda. Mas o filme optou por essa escolha de livre associação, justificada, ao final, pela frase de Tom estampada na tela: "A linguagem musical basta!"

Na cinzenta manhã carioca de segunda-feira, 9 de janeiro, assisti a uma projeção especial para um punhado de jornalistas musicais, entre os quais Ruy Castro, autor do livro-reportagem sobre a bossa nova, Chega da Saudade, há 20 anos nas paradas. Lá estava também o apresentador da TV Globo Chico Pinheiro, com um causo bem mineiro a contar. Chico tinha umas 350 fitas de vídeo no meio das quais havia um material especial de Tom Jobim. Cedeu as fitas à produção do filme e uma alma caridosa se ofereceu para ver tudo e garimpar o ouro ali escondido. O episódio reflete a pesquisa monumental exigida para se chegar aos sons e imagens que compõem a hora e meia do filme. Nelson, que colaborou com Tom em muitos trabalhos para o cinema e a tevê, contou-nos que o maestro, na sua fértil imaginação, tinha a ideia de fazer um filme com a câmera colocada na cabeça de um urubu em pleno voo sobre a paisagem carioca. A Música segundo Tom Jobim, que tem estreia nacional prevista para 20 de janeiro, abre com um soberbo Constellation da Panair chegando ao Rio, sobrevoando suas praias recortadas pelo mar na cinematografia em preto-e-branco — aquele Rio que era a capital federal e, nos anos 1950, coincidentemente (ou não) com o "desenvolvimentismo" de JK, daria à luz o cinema novo e a bossa nova. Os mais jovens ficarão impressionados com as cenas do documentarista Jean Manzon que mostram o Rio dos lotações, bondes e trens da Central apinhados, contrastando com o lazer dos anos dourados nas praias de Copacabana e Ipanema.

Nelson e Dora não fogem da ordem cronológica e insinuam como a modesta bossa dos inferninhos de Copacabana se projetou de repente no mercado da música internacional e, cantada em todas as línguas, salvou o pop e o jazz da invasão do rock. Particularmente tocantes são as musas trágicas: Silvinha Teles e Maysa, mortas em acidentes de carro em 1966 e 1977; Judy Garland, atropelada pela fama, cantando "How Insensitive", a história de sua vida. Agostinho Santos, impecável em "A Felicidade", morto antes do tempo no acidente da Varig em Orly. Nara e Elis, duas que também se foram antes do tempo — o duo de assobios de Elis e Tom e seus improvisos em "Águas de Março" traduzem uma sintonia musical e espiritual única.

Ausência

O grande ausente do filme é João Gilberto, que aparece apenas de soslaio acompanhando Elizeth em "Eu Não Existo sem Você". Irmãos fundadores da bossa nova — num ménage à trois com Vinicius — Tom, depois do sucesso crítico dos discos com Stan Getz, gozou sozinho o sucesso popular da parceria com Sinatra. A mágoa maior foi que Tom não acompanhou Sinatra ao piano, mas ao violão e no canto, até então praia exclusiva do João.

Sem martelar na tecla – apenas exibindo sons e imagens – o filme mostra a expansão global da bossa nova nas interpretações em francês de Jean Sablon, Pierre Barouh, Henri Salvador e Stacy Keach; em italiano de Mina ("La Ragazza di Ipanema") e em dinamarquês por Brigit Brüel. O tratamento virtuosístico dos pianistas Erroll Garner e Oscar Peterson traz novas dimensões a "Garota de Ipanema" e "Wave". Sarah Vaughan ("Wave") e Ella Fitzgerald ("Desafinado") mostram que as divas do jazz também eram ligadas na bossa. Sammy Davis Jr. encarna um "Desafinado" cheio de pilantragem.

As cenas da construção de Brasília mostram Tom no seu afã de compositor erudito, com a "Sinfonia da Alvorada". O Brasil já tinha um Villa-Lobos e Tom transitava à vontade nos rios confluentes do popular, do jazz e do erudito. Nas imagens de sua apresentação com a Orquestra Sinfônica da Rádio de Viena, fica claro como seus temas se prestavam admiravelmente a arranjos de trompas, violinos e flautas.

Identifiquei-me particularmente com um momento do filme, a apresentação de Tom e Chico, visivelmente constrangidos, no final do Festival da Canção de 1968, no Maracanãzinho lotado, sob vaias colossais, defendendo "Sabiá" com Cynara e Cybele. Eu também estava lá, vaiando "Sabiá" e torcendo por "Caminhando", a canção politicamente engajada do Geraldo Vandré. Os tempos mudam, as ideologias passam, e a música de Tom Jobim paira soberana acima de todas as vãs filosofias, como registra tão sensivelmente o filme de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim.

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