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A Rainha do Castelo de Ar completa a trilogia Millennium e atesta o valor legado pelo sueco Stieg Larsson | Hanna Teleman/Divulgação
A Rainha do Castelo de Ar completa a trilogia Millennium e atesta o valor legado pelo sueco Stieg Larsson| Foto: Hanna Teleman/Divulgação

O autor de romances policiais, no momento de concepção de sua obra, tem dois caminhos já conhecidos pelos quais pode apresentar o mistério proposto.

O primeiro consiste em ocultar do leitor até o último momento a peça-chave do seu enigma, geralmente deixando que leitor e protagonista façam a descoberta juntos. Por permitir que que está lendo especule e, portanto, se envolva mais com o livro, esse método é notoriamente mais utilizado.

O segundo, raramente visto na literatura policial, já apresenta os vilões e o mistério antes que o protagonista possa descobrir e, nesse caso, o autor precisa ter certa maestria e originalidade para desenrolar os fatos de maneira que o livro não se torne desinteressante.

É o caso do autor sueco Stieg Larsson (1954-2004) em A Rainha do Castelo de Ar, último volume da trilogia Millennium, lançado este mês pela editora Companhia das Letras. O livro foge não só do formato clássico de literatura policial como também se difere dos outros dois volumes por não ser uma história independente, com começo meio e fim, mas uma continuação lógica do volume anterior, A Me­­nina Que Brincava com Fogo.

Mais do que um enredo original, Larsson tem o mérito da criação de personagens marcantes da literatura policial: o jornalista Mikael Blomkvist, uma mistura da própria personalidade do autor e do investigador-mirim Kalle Blomkvist (o Super Blomkvist, como é chamado no livro), da escritora sueca infanto-juvenil Astrid Lindgren; e Lisbeth Sa­­lan­­der, uma jovem de personalidade forte e socialmente desajustada, mas com virtudes dignas de um Sherlock Hol­­mes do século 21. Seus talentos com nú­­meros, computação, seu poder de observação e sua memória fo­­tográfica fizeram da personagem um ícone mundial do gênero, sendo ela a verdadeira protagonista da trilogia.

A trama do último volume gi­­ra em torno do grupo denominado A Seção, uma divisão secreta dentro da Säpo (a polícia secreta sueca), que abrigou o dissidente russo Alexander Zalachenko na época da Guerra Fria. Zalachenko, como revelado em A Menina Que Brincava com Fogo, vem a ser pai de Lisbeth Salander e se envolveu com o comércio internacional de prostitutas durante seu asilo na Suécia.

As contravenções de Zala­­chenko culminaram em uma série de crimes endossados pelo Estado contra Salander e, anos depois, no assassinato de um casal de pesquisadores que pretendia realizar uma matéria sobre o assunto para a revista Millennium, de Mikael Blomkvist. Desde o começo do livro, Larsson já revela quem são os membros da Seção e o que eles estão articulando para impedir que a história de Za­­la­­chenko venha a público por meio de Blomkvist.

Essa manobra ousada em nada prejudica o envolvimento do leitor com a obra, mas ainda assim Lars­­son se precaveu, oferecendo uma história paralela, esta sim, com um mistério a ser desvendado, envolvendo a jornalista Erika Berger, sócia de Mikael, que deixa a revista Millennium para integrar a chefia de um tradicional jornal diário. Essa divisão na trama já havia sido experimentada no primeiro volume, Os Homens Que Não Amavam as Mu­­lheres, no qual Salander e Blomkvist tinham cada um sua própria história antes de se encontrarem e trabalharem juntos.

Ainda assim, o último volume tem seus defeitos. A história to­­mou proporções internacionais e Larsson teve dificuldades para orquestrar tantos personagens secundários (alguns chegam a ser inúteis para o livro) e muitas pontas soltas foram deixadas, como o roubo bilionário de Lis­­beth Sa­­lander descoberto pela polícia em A Menina Que Brincava Com Fogo, o desaparecimento conveniente de Harriet Vanger, que incorpora o conselho da revista também no segundo volume e a filha de Mikael Blomkvist, que aparece uma vez para nunca mais ressurgir em Os Homens Que Não Amavam as Mulheres. Além disso, o autor se estende em assuntos irrelevantes para a trama por diversas páginas, o mote principal de cada livro demora a ser apresentado e o texto peca por não ser mais enxuto.

Mas não se engane. A Rainha do Castelo de Ar é um romance envolvente do começo ao fim. A narração simples e repleta de ação e reviravoltas é um prato cheio para a indústria cinematográfica sueca, que já lançou a versão ada­pta­da do primeiro volume e já trabalha na continuação.

Com tamanha repercussão, não há dúvidas de que a trilogia Millennium com suas 1,8 mil páginas é de fato um marco da literatura policial, não só por seus personagens e tramas bem boladas, mas acima de tudo por ser um apanhado, ainda que em forma de ficção, das convicções de Stieg Larsson en­­quanto jornalista.

O autor, antes de sua misteriosa morte em 2004, foi um ferrenho ativista político de esquerda, de­­nunciou grupos extremistas em sua revista Expo e foi um ardente defensor dos direitos humanos. Nesse sentido, inserir uma personagem como Lisbeth Salander em uma história sobre os crimes cometidos contra as mulheres parece ser uma boa maneira de levar sua causa para o mundo. GGG1/2

Serviço

A Rainha do Castelo de Ar (último volume da trilogia Millennium), de Stieg Larsson. Companhia das Letras, 688 págs., R$ 42,50.

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