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Antropofágico: “O mundo não bebe, não come, e não respira sem o Brasil.” | Daryan Dornelles/Divulgação
Antropofágico: “O mundo não bebe, não come, e não respira sem o Brasil.”| Foto: Daryan Dornelles/Divulgação

CD

Para Detonar a CidadeJorge Mautner. Discobertas. R$ 29,90. MPB.

Jorge Mautner sempre esteve à frente de seu tempo, mas agora é o passado que lhe prega uma peça. Em 1971, o carioca voltou do exílio na Europa. Sua arte inclassificável ganhou espaço naquele Brasil pós-tropicalista, e as amarras da ditadura eram combustível extra para as criações que extrapolavam a música e invadiam "os cinemas, os gibis, as televisões e os asteroides". Em 1972, lançou Para Iluminar a Cidade, até então seu primeiro disco, pelo selo Pirata, versão alternativa da Polydor. Por isso a surpresa quando o produtor Marcelo Fróes veio com a notícia: descobriu-se uma gravação, em ótimo estado, de um show anterior ao disco no Teatro Opinião, no Rio de Janeiro. De quebra, seis músicas inéditas. O resultado é o álbum duplo Para Detonar a Cidade, lançado agora pelo selo Discobertas.

Ao reouvir suas peripécias no palco, Mautner riu e chorou. "Foi um negócio, rapaz. Fiquei boquiaberto. Sabia que tinha algo ali, mas não com essa qualidade e clareza." De fato, a gravação foi remasterizada com um cuidado impressionante. Ouve-se tudo, até os risos daquela plateia notadamente insegura. E principalmente o baixo maroto de Liminha na fantástica "Quero Ser Locomotiva", música que abre o disco, sucesso na voz de Wanderléa.

"Ah, tinha muita curtição." Mas o que era curtição naquela época, Jorge Mautner? "Um falatório, uma animação. Os shows duravam muito tempo, porque eram uma espécie de reunião contra a ditadura", esclarece o músico de 73 anos.

O retorno

Na metade do primeiro disco, há um medley que começa com uma releitura cadenciada de "Tutti-Frutti", aquela, eternizada por Elvis Presley. Resquício de seu período nos Estados Unidos, para onde foi em 1965. Foi lá que "compôs" os livros Vigarista Jorge e Narciso.

A "curtição" com Gil e Caetano começou em 1968, quando os conheceu em Londres. O amigo em comum era o pintor Arthur de Melo Guimarães, em cuja casa Mautner filmou O Demiurgo, melhor filme "do" e "sobre" o exílio, segundo Glauber Rocha. "Formamos a primeira célula democratizante", sintetiza Mautner, verdadeira locomotiva de memórias.

No disco, há uma parceria com Caetano – "From Faraway". O que salta aos ouvidos, no entanto, é sua prolífica incursão em estilos diversos, como a releitura de "Agô-Iê", de Ataulfo Alves, e "Boi de Carro", de Tinoco – o parça de Tonico. Suas composições próprias, agora com clima mântrico e com um pé numa bem-vinda "curtição", também dão um caldo, como não. Ouça, por exemplo, o frescor de "Estrela da Noite" e "Olhar Bestial" em formato acústico e sinta-se num outro "asteroide". As inéditas são "Roses from Baghdad", "Louca Curtição", Chave de um Perdido Paraíso", "Magic Hill", "Medonho Quilombo" e "Salve, Salve a Bahia". Essas ele precisa lembrar como toca.

Esquerda, volver

Além de criador, Jorge Mautner será um eterno correspondente da editoria de política, onde quer que esteja – foi militante do Partido Comunista e fundador do Partido do Kaos, em 1965. Talvez seja só de "curtição", mas ele não vê um candidato de direita para as próximas eleições. "Nem Aécio Neves", cutuca. Eterno defensor das brasilidades, aposta no sucesso da Copa mesmo com o pulsar das ruas – "as manifestações são a exuberância da democracia" –; e do Brasil, a "esperança concreta do futuro da humanidade." Oxalá, Mautner.

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