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McEwan comparou seu trabalho ao de encantadores de trutas | Walter Craveiro/Divulgação
McEwan comparou seu trabalho ao de encantadores de trutas| Foto: Walter Craveiro/Divulgação
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Romance

Serena

Ian McEwan. Tradução de Caetano W. Galindo. Companhia das Letras, 384 págs., R$ 39.

O inglês Ian McEwan havia sido "acusado" pelo crítico literário James Wood de ser um escritor manipulador, capaz de guiar o leitor pelos caminhos que mais lhe aprazem sem dar espaço a leituras mais abertas. A crítica não foi mal recebida, entretanto. Em sua participação na última Feste Literária Internacional de Paraty (Flip), no começo deste mês, McEwan disse que manipular o leitor é o maior prazer de um romancista, e comparou o feito a uma técnica de hipnose de trutas usada por pescadores para capturá-las com as mãos.

Nada poderia ser mais verdade quanto à capacidade do escritor de capturar o leitor pelas mãos, e Serena, seu mais recente livro, é particularmente enfático nessa qualidade. Afinal, a história trata de nada menos que o Serviço Secreto Britânico, num híbrido aprimorado dos romances do gênero de John Le Carré – populares na década de 70, época em que a história se desenrola – e um romance de formação contido.

A personagem principal, Serena Frome, é uma bela jovem inglesa que gostaria de estudar literatura mas, por pressão de sua família, acaba cursando matemática. Por conta disso, envolve-se com uma série de homens que se alternam entre inoperantes e misteriosos, sem abandonar jamais o gosto pela leitura. Um desses misteriosos é Tony Canning, professor com idade para ser seu pai, por meio do qual ela acaba sendo contratada pelo MI5 (divisão do Serviço Secreto responsável pela inteligência e segurança interna) em plena Guerra Fria e se envolve no projeto Tentação (Sweet Tooth, título do livro no original).

Seu trabalho consiste em convencer um jovem e promissor escritor, Tom Healy, a receber a bolsa dada por uma instituição de fachada, na verdade paga pelo serviço secreto, para que ele se concentre em seus livros. A razão aparente por trás disso é financiar autores capazes de combater o comunismo no campo das ideias, com visões céticas sobre o paraíso socialista no melhor estilo George Orwell – uma guerra mais sutil e mais eficaz, afinal. As coisas se complicam quando Serena se envolve romanticamente com Healy, e revelar sua verdadeira profissão vai se tornando cada vez mais difícil e, contudo, mais importante. Enquanto isso, tenta lidar com a tensão sexual dentro de seu trabalho, já que seu colega Max Greatorex (cujo nome combina misteriosamente radicais de grandiosidade) cai de amores por ela tardiamente, ao mesmo tempo em que tenta desvendar as intenções por trás de todos os momentos marcantes de sua vida profissional.

Aqui o trabalho de McEwan se distingue pela sua maestria, e transforma uma boa história em uma excelente narrativa bem contada. Escrito em primeira pessoa em um tempo distante do ocorrido, Serena filtra suas emoções, admitindo seu caráter falho e tentando transmitir a seu interlocutor a confusão que a juventude da época compartilhava. Criando tensão e interesse a cada final de parágrafo, o escritor prende o leitor como o pescador prende a truta com os dedos, e o guia por caminhos tais, que as reviravoltas do livro parecem bem mais improváveis e menos óbvias do que se pode supor. Uma lição que boa parte dos autores policiais contemporâneos deveriam assimilar. GGGG

Classificações: GGGGG Excelente. GGGG Muito bom. GGG Bom. GG Regular. G Fraco. 1/2 Intermediário. N/A Não avaliado.

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