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"Era uma cena horrível. Aquela moça maravilhosa – mas não dava nem para reconhecer. Tinha levado um tiro de espingarda na nuca, a uma distância de uns cinco centímetros. Estava deitada de lado, de frente para a parede, e a parede ficara coberta de sangue." Assim Truman Capote (1924 – 1984) transcreve o depoimento de um dos inúmeros habitantes que ouviu em Holcomb, Kansas, na sua obra-prima A Sangue Frio.

A edição brasileira, pela Companhia das Letras, tem tradução de Sergio Flaksman e acaba de ganhar uma reimpressão, sem dúvida embalada pela estréia de Capote nos cinemas. E A Sangue Frio não vem sozinho. A editora Globo acaba de lançar Capote – Uma Biografia, trabalho de Gerald Clarke que está na origem do filme. O roteiro adaptado por Dan Futterman está indicado ao Oscar da categoria. Também pela Companhia das Letras, que já publicou Bonequinha de Luxo, chega às livrarias Música para Camaleões, trabalho que antecede o romance derradeiro – e incompleto – Answered Prayers, de 1986. Na capa, um Capote ainda jovem aparece fazendo par de dança com Marilyn Monroe.

No que se refere à vida do autor que foi office-boy na redação da The New Yorker, mito e realidade se misturam ao ponto de ser impossível perceber onde termina um e começa a outra. Histórias dão conta de um rapaz com QI 250, dono de uma memória de elefante. Ele nunca tomava notas nem gravava os depoimentos que colhia, e gabava-se de conseguir lembrar de quase tudo o que era dito (o prefácio de Ivan Lessa para A Sangue Frio fala em 95% de acerto, o filme de Bennett Miller cita 94%).

Tão numerosas quanto as controvérsias em torno de sua biografia, são as polêmicas ligadas ao seu trabalho. Detratores dizem que Capote é pouco – ou nada – fiel à realidade, capaz de inventar informações e deturpar falas de entrevistados. Ele traía amigos se pudesse lucrar com isso. A relação com Perry Smith, um dos assassinos da família Clutter – caso retratado em A Sangue Frio – é um exemplo de sua postura mais que duvidosa.

O filme mostra, passo a passo, como Capote procura ganhar a confiança do assassino para ouvir dele como foram as mortes no dia fatídico de 1959. Não fica claro se ele de fato se importava com Smith ou não. Ora lamenta o adiamento da execução – o que adia também o término do livro –, ora se emociona às lágrimas por saber que Smith vai ser enforcado (é possível que se sentisse culpado por desejar a morte dele).

Na biografia editada pela Globo, Clarke conta que, logo no início, colocou Capote contra a parede e exigiu dele sinceridade absoluta. Se conseguiu, não há como saber. Além de centenas de horas de entrevista com o próprio escritor, o biógrafo ouviu várias pessoas próximas a ele e teve acesso livre aos seus arquivos pessoais.

Alcoólatra e viciado em drogas – lícitas e ilícitas –, Capote morreu ao 59 anos em Los Angeles, na casa da amiga Joanna Carson, ex-mulher do apresentador de tevê Johnny Carson (o homem que inventou os talk shows).

De Capote, A Sangue Frio permanece a obra mais importante.

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