
"Eu não tenho feito mais nada, a não ser comemorar 80 anos", diz Ariano Suassuna, com seu característico senso de humor e a voz rouca durante uma entrevista coletiva que deu na última segunda-feira em Curitiba. O escritor paraibano torna-se octogenário no próximo sábado, dia 16, e esteve na cidade para dar uma aula-espetáculo na 3.ª Semana de Letras da Unibrasil.
"Olhe, evidentemente que fico contente. Imagine quando eu fizer 160 anos, se, completando 80, é esse chamego todo...". E não se atreva a dizer que o ocupante da cadeira 32 da Academia Brasileira de Letras faz "aula-show". "Xou, na minha terra, é uma interjeição para espantar galinha", brinca. Suassuna admite ser um radical quando o tema é língua portuguesa e confessa uma "antipatia visceral" a palavras em inglês.
Ele lembra de um evento na Universidade Federal de Pernambuco em que o cartaz dizia "depois da fala do professor Suassuna, haverá um coffee break". Ele não teve dúvida. Chamou o responsável e disse "Tira! Ou eu ou ele. Bota pausa para o café, senão eu não entro".
Essa disposição incomum de defender o seu ponto de vista e sua obra parece não caber no físico franzino do homem com idade para ser bisavô, e marca toda a sua carreira, parte dela dedicada à militância em favor da cultura brasileira. Tal preocupação virou uma espécie de manifesto artístico e cultural batizado de Movimento Armorial (leia texto na página 4), anunciado em 18 de outubro de 1970.
A idéia era e é "criar uma arte brasileira erudita baseada nas raízes populares da nossa cultura", de acordo com definição apresentada no livro Ariano Suassuna Um Perfil Biográfico, de Adriana Victor e Juliana Lins, lançado pela Jorge Zahar Editor para marcar o aniversário do autor do Romance Da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta. Este, em sua 5.ª edição pela José Olympio, é tido como um clássico da literatura brasileira condição que ocupa, detalhe, desde o seu lançamento em 1971. O romance deve ser bastante comentado nos próximos dias, pois a Rede Globo estréia, no dia 12 (terça-feira que vem), a microssérie A Pedra do Reino, com cinco episódios.
A adaptação é dirigida por Luiz Fernando Carvalho (Lavoura Arcaica), uma exigência de Suassuna, e inspira dois lançamentos que a editora Globo coloca no mercado a partir da próxima semana A Pedra do Reino, livro de fotos da série, feitas por Renato Rocha Miranda, e um estojo com os Cadernos de Filmagem, que inclui um diário do elenco e da equipe.
Aqui, alguém pode pensar como é que um autor tão rigoroso, preocupado com a cultura brasileira e "invocado" (nas palavras dele mesmo) aceitou ver a obra que considera a mais importante de sua vida ser transformada em uma série global?
Suassuna conta que pesou os prós e os contras da televisão há mais de 30 anos, época em que foi procurado por um diretor (ele não cita o nome). O escritor recebeu uma proposta para colaborar em alguma produção também da Globo.
"O público da televisão é infinitamente maior do que o da literatura e o do teatro, mas eu não faço isso (ter sua obra adaptada) em troco de concessão nenhuma", determinou.
Na conversa com o homem da tevê, Suassuna disse que acompanhava a programação dos canais brasileiros e, de início, determinou que alguém teria de "mudar o passo". "E vou logo lhe avisar que não vou ser eu. Vai ser ela (a tevê)", disse.
Entre as exigências do autor, estava a de evitar a qualquer custo a caricatura que se costuma fazer do sotaque nordestino. "Numa obra minha, eu não admito." Para provar o seu ponto de vista, o escritor paraibano disse para o diretor do Rio de Janeiro que, aos seus ouvidos, o sotaque carioca também era fácil de ser ridicularizado, colocando personagens para falar "alhêvio" no lugar de alívio, "polhêtica" no de política.
Ah, Suassuna não tolera "música de guitarra" em uma obra sua. Ele mandou o carioca agora boquiaberto e um pouco irritado ligar para a emissora e perguntar se era possível usar as músicas do Quinteto Armorial, ligado ao autor, em uma eventual adaptação. Não, não dava. Política interna, devido a acordos com multinacionais etc.
Não teve conversa. O homem da tevê foi embora para nunca mais voltar. Suassuna ficou na sua. "Eu, que tenho uma paciência enorme, não me abalei. Esperei 30 anos e estava disposto a esperar até o fim da vida", afirma.
Até o dia em que apareceu Luiz Fernando Carvalho e o entendimento entre eles foi imediato. Juntos, fizeram no teatro A Mulher Vestida de Sol, primeira peça de Suassuna, escrita em 1947, e A Farsa da Boa Preguiça, de 1960. Depois dessas duas colaborações, o escritor disse que nunca deixaria de confiar no trabalho do diretor.
Abordado sobre a possibilidade de ter o Romance dA Pedra do Reino... levado ao cinema, ele respondeu: "Eu só faço se o Luiz Fernando Carvalho dirigir". Não demorou para criarem um projeto semelhante ao que Guel Arraes fez para O Auto da Compadecida. Cria-se uma série para a tela pequena e, dela, se faz um longa-metragem para a tela grande.
Suassuna ainda não viu o resultado final de A Pedra do Reino, a série, porque espera assistir a ela como qualquer outra pessoa do público. "Quero ter o impacto total", afirma.
O homem que diz ter, dentro de si, duas pessoas "eu mesmo e esse tal de Ariano Suassuna, que me dá um trabalho horroroso" , se interessa por literatura, música, pintura, cerâmica e teatro. É uma lenda-viva das letras brasileiras que não hesita em dizer, cara-a-cara com seus 80 anos, "Eu não melhorei muito, não".



