• Carregando...
Antes da entrada da mostra, o visitante se depara com um painel que lhe oferece uma cronologia da obra de Burton | Divulgação/MoMA
Antes da entrada da mostra, o visitante se depara com um painel que lhe oferece uma cronologia da obra de Burton| Foto: Divulgação/MoMA
  • Tim Burton: seu cinema mescla elementos da arquitetura e da arte góticas, do cinema expressionista alemão e do teatro de terror Grand Guignol
  • Na exposição do MoMA, é possível ver o croqui do personagem Edward Mãos-de-Tesoura

Nova York - A fila para comprar ingressos para a exposição do cineasta (e artista plástico) Tim Burton no Museu de Arte Moderna (MoMA), em Nova York, desanima. Ainda mais sob uma gélida temperatura de 10º C negativos. Começa em frente à bilheteria, no interior do prédio, avança pela calçada da Rua 53 Oeste, dobra a esquina e se estende pela 6.ª Avenida. Mas muitos dos que se animam a acordar cedo, vestir ceroulas, suéteres, casacos, gorros e luvas, tudo em camadas, já parecem ser, de certa forma, coadjuvantes do evento. E constituem uma atração à parte: os passantes, curiosos, param para olhar, indagam o que está acontecendo, por que uma fila tão longa.

Espera, ansiosa, mas em ordem, gente de todo o mundo, da Índia à Argentina, da Itália à Austrália, falando vários idiomas ao mesmo tempo, muitos com looks que poderiam muito bem ter saído dos figurinos de um dos filmes do cineasta californiano, que se prepara para lançar, em abril próximo, sua aguardada versão em 3D de Alice no País das Maravilhas.

Cabelos em desalinho, peles muito pálidas, olheiras "nutridas" com orgulho e a onipresença do preto – nas botas, blusas, cachecóis, esmaltes de unha e até nos lábios. Vários companheiros de fila, entre eles muitos americanos, se parecem mesmo com personagens de Burton.

Quem deseja conferir a mostra (góticos e congêneres não contam com desconto especial) tem duas opções: comprar os ingressos on-line – certamente a escolha mais inteligente para quem souber quando estará na cidade com antecedência – ou fazer como o jornalista da Gazeta do Povo, que tentou duas vezes até conseguir os bilhetes. No primeiro dia, ficou uma hora e meia na fila até descobrir que todos os ingressos haviam sido vendidos – e, pela internet, só poderia adquiri-los para dali a quatro dias, quando não estaria mais em Nova York.

Na segunda tentativa, graças a dicas de um funcionário bastante atencioso do MoMA, o repórter acordou mais cedo e chegou à porta do museu às 8 horas – o dia não nasce antes das 7h durante o inverno. Já havia centenas de pessoas no hall se espremendo, se acotovelando, procurando escapar do frio, entre um gole e outro de café fumegante.

A estratégia dessa vez dá certo. Todo o esforço, cada minuto de espera, as horas de pé, valem a pena. A exposição, mais do que uma mostra de artes visuais, é uma viagem pelo mundo criativo e fantástico de Tim Burton, um diretor que, ao longo das três últimas décadas e em quase uma dezena e meia de filmes, forjou um universo imagético, narrativo e dramático muito particular. Uma mescla de elementos da arquitetura e da arte góticas, do cinema expressionista alemão e do teatro de terror Grand Guignol, que esguicha sangue com pitadas de humor.

Antes da entrada da mostra, em forma de uma bocarra aberta e cheia de dentes afiados, o visitante se depara com um painel que, providencialmente, lhe oferece uma cronologia da obra de Burton. Sugere que separar a filmografia do artista de sua biografia não é recomendável. Criador e criações são indissociáveis.

As obras em exibição – que vão de desenhos a figurinos dos longas-metragens, passando por pinturas, esculturas, bonecos, objetos de cena, esboços e vídeos com os curtas de animação e com atores de carne e osso feitos antes de Burton realizar seu primeiro longa, As Grandes Aven­­turas de Pee Wee (1985) – é um mergulho interativo e lúdico na subjetividade e na vida do diretor. E desde sua mais tenra juventude.

Desenhos feitos na década de 70, quando Burton ainda estava no colégio, na cidade de Burbank, região metropolitana de Los Angeles, já anunciam um garoto com uma imaginação bastante peculiar e fervilhante, interessado por seres bizarros, figuras ao mesmo tempo aterrorizantes e engraçadas, tudo permeado por uma sensibilidade inventiva e muito única, gerada por uma infância e uma adolescência sofridas do ponto de vista emocional. Mas também muito rica em referências, como quadrinhos, cinema e literatura de terror e ficção científica, seriados, Edgar Allan Poe...

Figura paterna

Nascido em 25 de agosto de 1958, Timothy Walter Burton viveu, ainda quando garoto, um trauma que lhe acompanharia por toda a vida: a saída de cena de seu pai depois de um doloroso processo de divórcio. O impacto da ausência paterna é presente em toda a obra cinematográfica do diretor, que sofre de transtorno bipolar e hoje vive em Londres, próximo da mulher, a atriz britânica Helena Bonham-Carter, e os filhos, Billy e Nell .

Essa lacuna afetiva está representada, de forma mais evidente, em um dos filmes mais emblemáticos de Burton, Edward Mãos-de-Tesoura (1990). O personagem-título, que marcou o início de uma parceria com o ator Johnny Depp que perdura até hoje, é um alter ego de Burton. Só e incapaz de tocar outros seres humanos por conta das próteses afiadas implantadas pelo seu criador/pai (vivido por Vincent Price, ídolo do diretor), já morto/ausente.

A única forma de Edward se aproximar das pessoas, e de alguma forma provar que não é um monstro destrutivo, é por meio da arte, das figuras que esculpe com suas mãos laminadas nos verdejantes gramados e cercas vivas de uma cidade americana suburbana arquetípica. Como Burbank, terra natal do diretor.

Na exposição do MoMA, é possível ver o croqui do personagem (veja figura nesta página), feito por Burton antes do início das filmagens, assim como seu figurino original, com as mãos-de-tesoura e tudo. Também está lá o traje de Mulher-Gato costurado no corpo de Michelle Pfeiffer em Batman – O Retorno(1992).

Em Peixe Grande (2003) e A Fán­­tástica Fábrica de Chocolate (2005), os protagonistas, respectivamente, Will Bloom (Billy Crudup) e Willy Wonka (Johnny Depp), têm relações ainda mais complicadas com a figura paterna. O pai do primeiro (Ewan McGregor, quando jovem, e Albert Finney, na velhice) tem uma vida fantástica e mirabolante, porém inventada, onde se refugia, mantendo o filho à distância. Já o de Wonka, um dentista londrino (Chris­­topher Lee, outro ícone do cinema de horror, como Vincent Price), é frio, rígido, cruel. Submete o filho a um aparelho ortodôntico elaborado e gigantesco que mais parece saído de uma oficina de instrumentos de tortura. Este também integra a mostra do MoMA.

Quem visita a exposição sente vontade de ficar minutos em frente de cada desenho, anotação ou figura tridimensional. Nem sempre é possível devido ao grande número de pessoas. Mas seu grande trunfo é, justamente, revelar um artista adorado pelo público, mas algo inatingível, ao ponto de se confundir com sua fantástica obra. Tudo que se vê no MoMA não o desmitifica, porém o explica e problematiza. O torna mais próximo, complexo. E fascinante.

Serviço

Exposição de Tim Burton. Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) (11 West 53 Street, Nova York, NY). Ingressos a US$ 20, US$ 16 (maiores de 65 anos) e US$ 12 (estudantes) na bilheteria ou pelo site www.moma.org/visit/calendar/tickets. Crianças até 16 anos não pagam. Em cartaz até 26 de abril.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]