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Alessandro Sangiorgi largou tudo para ficar em Curitiba. Depois de ter deixado a vida fixa na Itália, seu país natal, agora ele cortou um novo laço para se dedicar ainda mais à Orquestra Sinfônica do Paraná. Maestro titular da instituição há quase cinco anos, ele chegou à conclusão de que deveria passar mais tempo à frente dos músicos para que o trabalho saísse da maneira como ele gostaria. Por isso, renunciou no ano passado a um cargo de professor de música na Itália e resolveu estender ainda mais suas temporadas brasileiras, que atualmente tomam cerca de metade de cada ano.

Contratado para reger a Sinfônica em 2002, Sangiorgi é o maestro que ficou mais tempo à frente da Sinfônica depois dos fundadores Alceo Bocchino e Osvaldo Colarusso. Já sobreviveu a uma troca de governo e agora se prepara para decidir se vai ou não permanecer na próxima gestão, a partir de 2007. Por um lado, o músico parece um pouco cansado da burocracia, da falta de músicos necessários para certos programas e da tensão de um cargo em que tem de administrar muitos problemas e muitas pessoas.

Por outro lado, Sangiorgi está entusiasmado com a chance de ver realizado o concurso público que resolveria o problema da falta de músicos na orquestra. E vê surgir a chance de reger mais óperas, a sua grande paixão. Desde o ano passado, o maestro esteve à frente da orquestra para récitas de La Bohème, La Serva Padrona e Gianni Schicchi. Agora, deve fazer mais três em 2006, além da ópera infantil Chip and His Dog, em cartaz neste fim de semana. Diz que é entusiasmante atuar numa cidade em que o maestro é cumprimentado pela população a cada passo, até na feirinha de fim de semana.

Nesta semana, em que a Orquestra Sinfônica do Paraná celebra seus 21 anos de criação, Sangiorgi concedeu uma entrevista exclusiva ao Caderno G, em que falou sobre a qualidade de seu grupo, sobre a situação da música em Cuiritiba e, claro, sobre Copa do Mundo. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Caderno G – O senhor chegou a pensar em deixar a orquestra recentemente. Agora pretende continuar?

Alessandro Sangiorgi – Nós tivemos um momento muito duro no ano passado, eu e a orquestra. Chegou um momento em que eu pensei que poderia ter encerrado um ciclo. Meu contrato acaba em dezembro. Acaba o mandato do governador e o meu contrato acaba junto. Aí comecei a pensar. Até onde eu posso ir? Eu acho que em termos de qualidade, eu tenho a impressão de ter chegado ao máximo que eu posso fazer. Eu não sei fazer mais do que isso. Por que eu ficaria? Acho que seria um grande estímulo se fosse realizado um concurso para contratar mais músicos. Também posso falar mais sobre ópera. Sem falsa modéstia, sobre ópera tem muito mais a se dizer, num lugar em que se faz pouco. Acho que com a orquestra completa e a possibilidade de fazer mais óperas, seria interessante continuar. Mas ainda estou indeciso.

O que o senhor pretendia fazer, se largasse a música?

Eu sou um cozinheiro respeitado por meus amigos. Pensei em fazer algo ligado a isso. Não um restaurante, que é uma palavra muito grande. Mas algo menor. Ainda vou estudar, mas é uma idéia que eu tinha desde os tempos de São Paulo. Mas quando eu penso em parar é porque eu gostaria de voltar a fazer o que eu faço só por prazer. E administrando uma orquestra deste tamanho, é impossível. É um desgaste físico e pessoal muito grande. Fico a dois mil por hora, não tenho um minuto para mim, faço tudo atrasado. O que também dá uma certa energia. Mas é engraçado. A cada vez que eu passo a pensar seriamente em parar, vem uma procissão, como se as pessoas soubessem. Todo mundo pedindo para eu ficar. Tenho tido um apoio crescente para permanecer aqui. Um monte de gente me puxando pelos cabelos para eu ficar. E se um artista sente que está fazendo um bem para os outros, com comentários em todo lugar, talvez seja até egoísmo parar.

Quais são as principais dificuldades de ser maestro da Orquestra Sinfônica do Paraná hoje?

Temos o problema do número de músicos. Quando um músico sai da orquestra, eu não posso substituí-lo. Nos últimos anos, saíram cinco ou seis músicos. Eu tenho os cargos, mas não os músicos. E a cada concerto eu tenho que tirar do nosso orçamento cerca de R$ 10 mil para pagar cachês de convidados. E esse dinheiro eu poderia aplicar melhor em outras coisas. A solução para isso seria um concurso público. O governo já conseguiu resolver radicalmente a situação de todos os professores do estado. Como nós somos pouquíssimos, comparados com isso, acredito que podemos esperar que nosso caso também possa ser solucionado. Mas a coisa pior do mundo para mim é a burocracia. E deve ser meu carma, porque a minha vida toda eu trabalhei para órgãos públicos. Rarissimamente trabalhei para instituições privadas. Não pretendo ser compreendido por quem tem as chaves. Mas se tivéssemos mais dinheiro para divulgação, por exemplo, seria importante. Em 2002, quando tínhamos anúncios na tevê, havia filas imensas para entrar nos concertos. Também precisaríamos ter uma sede para a orquestra, que não pode conviver eternamente com as outras atrações do Guaíra, que é um teatro do estado. Tínhamos o Canal da Música, que hoje é a sede da TV e da Rádio Educativa. Temos um terreno e um projeto para a nova sede. Vamos ver se acontece.

A orquestra é melhor hoje do que quando o senhor assumiu, quase cinco anos atrás?

Eu tenho quase certeza que consegui imprimir um certo tipo de sonoridade. Outro trabalho que eu tive foi de repertório. Uma orquestra sinfônica que fique reduzida a um determinado repertório faz só uma parte do que poderia. Mesmo arriscando um pouco, ampliei o repertório. Acho que vale a pena arriscar. Claro que alguns repertórios são quase impossíveis para nós, não por dificuldade, mas por número de músicos. Também fui o primeiro maestro em muito tempo em fazer uma audição interna com os músicos, para decidir quem ficaria com as primeiras estantes.

Na sua gestão, o Guaíra começou a fazer óperas de novo. Isso vai continuar?

Acredito que sim. Neste ano estamos montando três óperas. Don Giovanni, de Mozart, La Traviatta, de Verdi, e João e Maria, de Humperdinck. Há interesse e há público. Acredito que se pudéssemos ter o dinheiro da bilheteria das óperas revertido para o teatro, seria mais fácil. Mas pelo que me disseram, esse dinheiro vai para o estado e já estaria incluído no nosso orçamento. Mas neste momento, por exemplo, estamos montando esta ópera infantil (Chip and his Dog), com uma produtora de fora do teatro. Acho que seria interessante se pudéssemos fazer esse tipo de parceria.

Curitiba está ganhando um cenário mais interessante na música erudita?

Já me aconteceu algumas vezes, desde que eu cheguei a Curitiba, de ter aquela impressão de "agora vai". E depois dá uma escorregada. Mas tenho a impressão de que desta vez o "agora vai" é um pouco mais forte. E mesmo que você ande 100 metros e depois recue 50, acabou andando 50 para a frente. Mas Curitiba precisa ter e merece ter uma programação mais regular e mais forte. De certa maneira, a existência da Orquestra Sinfônica e da Camerata garantem um pouco isso. Mas a cidade merece mais. Acho que o que falta para que isso aconteça, em parte, é uma consciência de classe para os músicos, para haver uma ajuda mútua. Essa é uma coisa que eu queria que acontecesse. Talvez não se consiga o elàn necessário para isso.

Para quem um italiano morando no Brasil deve torcer na Copa do Mundo?

Até a final, torço para os dois. Curioso é que em 1994, quando eu já passava boa parte do tempo no Brasil, estava na Itália na final da Copa [em que o Brasil ganhou da Itália nos pênaltis]. Estava com um grupo de alunos e quando terminamos o ensaio fomos para um lugar ver o jogo. Quando a Itália perdeu, eles me culparam, dizendo que eu era brasileiro. Mas eu torço furiosamente pelo Brasil nas Copas. E pela Itália também. Mas aqui a sensação é mais excitante do que em qualquer outro país.

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