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Marco Nanini é um dos poucos atores brasileiros que tÊm uma carreira consolidada e reconhecida no cinema, no teatro e na televisão. Ele está de volta à tela grande pelas mãos de Carla Camurati, em Irma Vap – O Retorno, que estreou sexta-feira nas principais cidades do país. É a terceira parceria entre o ator e a diretora, que já realizaram o sucesso Carlota Joaquina (1995) e o pouco visto Copacabana (2001).

Ainda este ano, no cinema, Nanini vai participar do longa-metragem A Grande Família, baseado na série regular da Globo, que estreou nova temporada na última semana. Ele também poderá viver nas telas o lendário Odorico Paraguaçu, personagem que marcou Paulo Gracindo na novela e no seriado O Bem Amado. Guel Arraes, que dirigiu Nanini em O Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro, tem intenção de filmar a obra de Dias Gomes. No teatro, o ator deve viajar em breve pelo Brasil com a peça Um Circo de Rins e Fígado, de Gerald Thomas, já encenada no Rio de Janeiro.

Em entrevista concedida ao Caderno G e mais dois jornais de outros estados, durante evento de imprensa para divulgação do filme de Camurati, Nanini falou de seu processo de trabalho – o apreço pela pesquisa de personagens –, de Irma Vap e de seus novos projetos no cinema, televisão e teatro.

No meio artístico, são famosas suas cópias de roteiros recheadas de informações detalhadas sobre personagens e situações. Como cria e desenvolve seus personagens?

Faço uma pesquisa aleatória, mas as coisas vão se encaminhando para o personagem. Se eu leio no roteiro que há uma árvore em um parque, começo a pesquisar sobre a árvore e o parque. Posso até não usar depois, mas fica lá. Para preparar a Cleide e o Tony (personagens que interpreta em Irma Vap – O Retorno), fiz um banco de imagens muito grande de atrizes. Pesquisei Bridget Bardot, Elizabeth Taylor e até Rita Pavone – a Cleide canta um trechinho meio imperceptível de uma música dela no filme – para ver como elas ficaram depois de ser tornarem senhoras. Está tudo no computador. Posso selecionar as imagens da pesquisa por característica física, como por exemplo, só as bocas, ou só os olhos. Depois levo isso para o diretor, para o maquiador, dou dicas nas filmagens.

Às vezes, acho uma poesia que tem a ver com o personagem. É muito difícil entrar no personagem sem construir o raciocínio dele. Quando ele não fala, o que faz? Quando tem um texto, tudo bem, mas o que leva o personagem a ter determinado comportamento? Começo a pesquisar isso, para não ficar oco quando estou em cena. Para Copacabana, que é um filme muito nostálgico, pesquisei muita poesia, que por si só já dá um clima para o personagem. Só a batida, a cadência já te dá alguma coisa, porque você não sabe de onde vem a pista certa. Evidentemente, ela pode vir da equipe, do diretor ou de outro ator, mas, às vezes, tem uma faxineira fazendo alguma coisa no set de filmagem que pode ser usada. Então, é necessário ficar com as antenas todas ligadas, porque a pista para o personagem pode vir de qualquer lugar.

O quanto a pesquisa é fundamental para o seu trabalho?

Acho que a pesquisa é importante para qualquer trabalho. É o que mais gosto de fazer. Quando vai se interpretar é que é difícil. Imaginar é um ótimo exercício, que todo ator deveria sempre fazer. É igual à musculação. A pesquisa tem que ser abundante, porque se 5% dela for cumprida já está excelente. Não é preciso ter a pretensão de cumprir 100%, porque é impossível. Pesquisei muito o filme O Que Terá Acontecido com Baby Jane?, que a Carla usou como espelho para o personagem da Cleide. Na interpretação dela, usei o jeito que a Bette Davis andava e interpretava naquele filme; para o Tony, o jeito da Joan Crawford. Ele é um complemento da Cleide, os dois são um personagem só. Não que eles sejam iguais a elas, mas a Bette Davis tem uma interpretação exagerada que cai muito bem para um homem que interpreta uma mulher como a Cleide. Fica o tempo todo no limite do que seria uma caricatura, mas com humanidade. Isso leva muito tempo para se trabalhar. Mas o computador agora ajuda muito, vejo todas as imagens na tela. Antigamente eu ia de museu em museu (risos). Esse filme é uma grande homenagem ao ator. Então pesquisei o ator, as técnicas.

O que acha do cinema feito no Brasil atualmente?

Eu quase não vou ao cinema. Costumo brincar que ainda estou em Sunset Boulevard (Crepúsculo dos Deuses), que em três anos eu devo acabar de ver (risos). É uma coisa impressionante. Eu faço muita coisa e minha cabeça fica muito ocupada, e quando vi já passou da hora de ir a determinado filme. Quando vou, eu adoro. Acabei vendo recentemente A Máquina, que tem muita poesia. Me emocionei muito com o filme. Tenho um prazer de ver cinema e não sei por que não dou mais atenção a esse ímpeto de ir. Mas hoje eu não vejo televisão também, não ligo o aparelho. Não sei se o tempo encurtou. Por exemplo, fazer Irma Vap – O Retorno tomou todo o meu tempo. Vou ficando nervoso com isso, minha cabeça fica pesada e chega uma hora que tenho que tomar um remédio e dormir.

Quase não vejo, mas adoro fazer cinema. Tenho uma carreira bem demarcada na área. Fiz os primeiros uns filmes na década de 70, como As Moças Daquela Hora, algumas pornochanchadas. Nos anos 80, fiz apenas dois filmes, Anjos da Noite e Feliz Ano Velho, que já tinham outra tendência, eram mais sérios. A partir de Carlota Joaquina é que comecei a atuar com mais assiduidade e peguei gosto. Agora temos o filme de A Grande Família, que vamos filmar ainda este ano. Há também um roteiro do Gerald Thomas, ainda na fase de argumento, que pretendemos filmar. E com Irma Vap, estou iniciando um trabalho como produtor no cinema, juntamente com o Fernando Bonassi, que é meu sócio em uma produtora teatral. E ainda há uma proposta do Guel Arraes de se filmar O Bem Amado, eu faria o Odorico Paraguaçu. Seriam alguns episódios de televisão e também o filme, mas com os dois roteiros separados. Quero fazer um trabalho bem pesquisado.

Pretendo montar um espaço, sem nenhum fim lucrativo, onde eu possa me instalar, ensaiar, pesquisar, juntar uma equipe. Essa coisa com hora marcada, de receber o roteiro pronto e com data para filmar é legal, dá para estudar. Mas se for possível trocar mais experiências, as coisas são enriquecidas. Queria fazer isso porque as novidades que eu gosto chegam assim, de repente. Você chega com uma idéia e vamos ver como vai ficar, colocar no tablado, num estúdio. Não precisa se comprometer em fazer, basta se interessar e trabalhar um pouco para ver ser vai dar certo ou não. Essa seria a linha da minha produtora com o Fernando.

Pretende voltar a fazer novelas?

Não tenho preconceito com relação a novela – a última que participei foi Andando nas Nuvens (do horário das sete horas). Gosto do clima de se fazer a novela, mas às vezes é ruim, eu fico abalado. E a novela predispõe a isso porque é muita gente, dura muito tempo. É muita pressão, por causa da audiência, e aí muda tudo. Por isso estou gostando de fazer o seriado. Era para ser apenas alguns episódios e estamos há seis anos no ar, o programa caiu no gosto do público. É uma história mais fechada. Gosto muito de coisas novas. Fiz TV Pirata, fui um dos primeiros atores que entrou no Planeta dos Homens para fazer quadro de humor. Fiz o Brasil Especial, que eram adaptações da literatura brasileira para a tevê, com o Guel Arraes. Esse programa virou o Comédias da Vida Privada, que depois virou outra série. Fico mais excitado com essas novidades, principalmente em tevê. Espero fazer outras coisas diferentes na área.

O que acha do investimento de outras emissoras de tevê em dramaturgia?

Espero que esse momento de investimento perdure, porque assim teremos não só mais atores, mas mais técnicos, muita gente empregada. E isso é melhor para o espectador também. O problema é que geralmente essas coisas são fogo de palha. Minha torcida é para que isso persista, que também haja mais coisas independentes.

E para o teatro, quais são seus planos?

Vamos rever Um Circo de Rins e Fígado (de Gerald Thomas), para atualizá-la. Pretendemos viajar com a peça por algumas cidades do Brasil e depois temos uma apresentação acertada no segundo semestre em Nova Iorque, no La MaMa, um teatro off-Broadway no qual o Gerald já trabalhou. Tenho outros projetos de peça, mas nada decidido ainda.

Pretende retomar a parceria com o diretor Felipe Hirsch?

Adoro o Felipe porque ele adora pesquisa como eu. Em A Morte do Caixeiro Viajante, íamos estrear e resolvemos ficar mais duas semanas pesquisando. A concepção dele de Os Solitários também foi ótima. É um diretor inteligentíssimo. Estou com ele na mira, me dei muito com ele.

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