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Talvez Federico Fellini não fosse tão célebre sem a parceria de um dos grandes mestres do roteiro cinematográfico: Ennio Flaiano. O italiano escreveu sete roteiros para o cineasta, incluindo três notáveis: Noites de Cabíria (1957), juntamente com Tullio Pinelli, A Doce Vida (1960) e Oito e 1/2 (1963).

Além de arquiteto, jornalista e crítico de cinema e de teatro, Flaiano também foi um dos mais brilhantes escritores de ficção. Seu trabalho de estréia foi o romance Tempo de Matar, de 1947, publicado pela primeira vez no Brasil em meados do ano passado, pela editora Berlendis & Vertecchia (Coleção Letras Italianas, 304 págs., R$ 44, tradução de Celso Cruz).

Ao terminá-lo, o leitor não poderá deixar de lamentar o fato de que o livro foi o seu único mergulho no gênero. Ao optar mais tarde pelos contos breves, os apontamentos e aforismos, Flaiano parece querer se redimir da experiência do romance, da qual falava em termos inferiorizantes, mesmo tendo vencido com ele o Prêmio Strega, grande premiação literária italiana. "Provei a mortificação do sucesso – e a certeza de não ser talhado para ele – durante a cerimônia de premiação. Recebia um prêmio cobiçado por um romance que eu já acreditava ter de ser completamente reescrito", afirmou.

Ele afirma que recebeu os aplausos da crítica como um débito que não conseguiria pagar. No que se assemelha com seu personagem de Tempo de Matar, um tenente italiano que amarga dias de angústia e culpa debaixo do arrasador sol africano. O livro foi escrito sob encomenda do editor e amigo Leo Longanesi, a partir de um caderno de notas que o autor manteve nos anos de 1935 e 36, quando participou da campanha da Etiópia. Mas, passa longe de ser uma tentativa neo-realista de retratar a realidade da guerra. Era a "sua África", retratada simbolicamente por meio de metáforas como o calor, o cheiro fétido das mulas mortas pelas trilhas, o estupro e o assassinato de uma mulher nativa pelo protagonista, os atalhos que levam inevitavelmente a uma sucessão de erros. E inúmeras frases como esta: "Este país é triste demais. Triste demais. Uma terra onde nascem hienas só pode ter alguma coisa podre". Como em O Estrangeiro, do existencialista argelino Albert Camus, o personagem já guardava essa coisa podre "no mais profundo dos meus pensamentos". Aliás, o livro de Flaiano tem uma atmosfera muito próxima ao de seu contemporâneo Camus.

Flaiano também roteirizou A Noite (1961), obra-prima de Michelangelo Antonioni, em que um escritor trai seus ideais ao aceitar escrever a biografia de um milionário. Seu remorso é semelhante ao do subtenente do romance, que termina suas aventuras de anti-herói levando consigo o sentimento de culpa de todos os personagens masculinos criados por Flaiano.

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