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No episódio que inspirou o longa-metragem Não Amarás, Kieslowski discute o adultério e o platonismo |
No episódio que inspirou o longa-metragem Não Amarás, Kieslowski discute o adultério e o platonismo| Foto:

Filmografia básica

Confira alguns dos títulos fundamentais na obra cinematográfica do cineasta polonês, morto de 1996

1994 – A Fraternidade É Vermelha – Indicação ao Oscar de melhor direção e roteiro original)

1994 – A Igualdade É Branca – Urso de Prata de melhor direção no Festival de Berlim

1993 – A Liberdade É Azul – Leão de Ouro (de melhor filme) no Festival de Veneza

1991 – A Dupla Vida de Veronique

1990 – City Life

1989 – Decálogo

1989 – Não Matarás - Prêmio do Júri no Festival de Cannes

1989 – Não Amarás

1987 – Sorte Cega

1985 – Sem Fim

1976 – A Cicatriz

  • Em
  • Kieslowski tinha profundo interesse pelos dilemas humanos e morais

Nada importava mais ao cinema de Krzysztof Kieslowski do que a condição humana. Embora seja com freqüência citado como um diretor essencial para a compreensão da Polônia dos anos que antecederam o fim do comunismo na Europa Oriental, ele não se considerava um cineasta político. Preferia legar esta posição ao conterrâneo Andrzej Wajda, de O Homem de Ferro.

Quando morreu prematuramente em 1996, aos 54 anos, vítima de um ataque cardíaco, Kieslowski era um artista consumado, um autor que já havia legado à posteridade uma obra tão sólida, complexa e fascinante que parecia ter vivido muito mais. Triste, contudo, é pensar no que ainda poderia ter produzido. Que falta seu cinema faz!

Para compensar esse vazio, resta-nos desfrutar o que de bom – e foi muito – o polonês deixou. E, para quem é admirador do cineasta, ou ainda não teve o prazer de a ele ser apresentado, é imprescindível assistir a ao Decálogo, considerado por muitos sua obra máxima. Trata-se de uma série de dez filmes inspirados nos dez mandamentos, com duração de 50 minutos cada, que agora chega ao Brasil em uma caixa lançada pela Versátil.

Produzidos para a tevê polonesa entre 1989 e 1990, os episódios incluem, em versões mais compactas, os filmes que no Brasil foram lançados com os títulos de Não Matarás e Não Amarás, ambos consagrados pela crítica quando exibidos nos cinemas.

Fábulas morais

Como o próprio diretor faz questão de frisar em um texto incluído no encarte da caixa, o intuito de Decálogo nada tem a ver com catequese ou proselitismo. Natural de um país onde o catolicismo resistiu bravamente ao comunismo e até (talvez por conta dessa resistência) gerou um Papa, João Paulo II, Kieslowski não nega a importância da religião em sua formação. Mas insiste que os mandamentos recebidos por Moisés e inscritos nas tábuas da lei judaico-cristã transcendem qualquer credo. Propõem princípios de conduta e desafios existenciais e filosóficos que podem fazer sentido em qualquer cultura.

E como Kieslowski era um apaixonado pelo ser humano e seus dilemas, usar os mandamentos como ponto de partida para contar histórias sobre vidas de homens e mulheres comuns pareceu-lhe um desafio fascinante.

Rodados com baixo orçamento, em sua maioria num conjunto residencial de Varsóvia, os filmes formam um mosaico comovente do cotidiano numa Polônia que tinha seus dias contados, às vésperas do fim da União Soviética. Vem daí a importância política e histórica de Decálogo, apesar de não ser esse o foco do diretor e nem de seu habitual parceiro na criação dos roteiros, Krzysztof Piesiewicz.

Em um dos filmes, inspirado pelo mandamento "Amarás a Deus sobre Todas as Coisas", um professor universitário – para quem a racionalidade e o saber científico ocupam o lugar de uma divindade superior – perde o filho em um acidente trágico por acreditar demais em suas certezas medidas e calculadas.

Noutro episódio, que deu origem ao belíssimo longa-metragem Não Amarás, o mandamento "Não Cometerás Adultério", uma mulher, cuja vida é uma suecessão de casos inconseqüentes com homens casados, torna-se objeto do amor platônico de um jovem carteiro, que a observa à distância, consumido pela rejeição.

Numa terceira história, "Não Tomarás o Nome do Senhor em Vão", uma musicista (Krystina Janda, musa do cinema polonês na década de 1980) vive um dilema. Seu marido, por quem se diz ainda apaixonada, está à beira da morte em um hospital. Para piorar a situação, ela está grávida de outro homem, que também diz amar.

Desnorteada, ela procura o médico que trata de seu companheiro, que por coincidência mora no seu prédio, e lhe pede um prognóstico. Caso o marido tenha chances de sobreviver, fará um aborto.

Humanidade

Para Krzysztof Kieslowski, a literatura, o teatro e o cinema estão repletos de obras que, mesmo inconscientemente, recorrem às regras contidas nos mandamentos como base de seus conflitos. Cita de Dostoievski a Woody Allen.

O que diferencia, e personaliza, o olhar do diretor polonês é sua capacidade de, ao abordar questões morais, resistir à tentação de julgar seus personagens, que são todos tratados com extrema humanidade e compaixão. Os roteiros, por sua vez, têm uma notável habilidade de desviar de clichês e, embora sejam todos muito comoventes, passam ao largo das emoções baratas.

Por último, Kieslowski, como cineasta, e magnífico autor de imagens, tem sensibilidade extrema para enfocar o ser humano, seus rostos, olhares, desejos, tristezas e anseios. No seu cinema, os personagens – o homem, a mulher, a criança – estão no centro do universo. E brilham. Mesmo quando sofrem.

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