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Veículos, armas, mapas e batalhas on-line são os principais atrativos de "Halo 3" | Divulgação
Veículos, armas, mapas e batalhas on-line são os principais atrativos de "Halo 3"| Foto: Divulgação

Santiago é um filme profundamente pessoal. Em cartaz desde ontem no Unibanco Arteplex, o documentário de João Moreira Salles, diretor de Nelson Freire e Notícias de uma Guerra Particular, adota o primeiro nome do mordomo de sua família, Santiago Badariotti Merlo.

As imagens foram captadas em película em 1992, pouco antes de Santiago morrer. O material filmado permaneceu intocado por um longo tempo. Salles não conseguiu montá-lo e os motivos precisos de o filme ter ficado tanto tempo no limbo não parecem claros sequer para o próprio cineasta. A razão pela qual o diretor decidiu resgatá-lo, contudo, é clara: "O tempo", revela Salles em entrevista concedida por e-mail ao Caderno G. A reaproximação entre criador e "criatura" apenas se deu em 2005.

Santiago, pelo menos como o vemos no filme, tinha vocação para ganhar a eternidade como protagonista da própria história. Era um sujeito e tanto. Descendente de italianos, tinha como passatempo favorito transcrever em folhas de papel biografias de aristocratas, da antiguidade ao presente. Milhares de páginas, repletas de histórias de reis, rainhas e nobres, escritas ao longo de muitos anos e de inúmeras viagens, em casa ou em quartos de hotéis. Tudo cuidadosamente amarrado por fitas que ele fazia vir de Paris.

Rodado em preto-e-branco, em um primoroso trabalho do fotógrafo Walter Carvalho, o filme, tal qual seu protagonista, transita entre o real e o onírico. Também é um ajuste de contas de Salles com suas memórias de infância. Leia a seguir trechos da entrevista com o cineasta carioca.

Quais as dificuldades de abordar, como tema central de um filme, um personagem de sua própria história de vida? Parece-me que você optou pela subjetividade. Não tinha como fugir da subjetividade. É a minha história, são as minhas memórias. Como escapar da primeira pessoa? A princípio, achei que dava. O filme foi montado na terceira pessoa. O resultado era ruim. Certo dia, recebi um e-mail do Eduardo Escorel, que montou o filme junto com a Livia Serpa. Era curto. Trazia apenas uma frase do documentarista francês Chris Marker: "Ao contrário do que as pessoas pensam, o uso da primeira pessoa em filmes tende a ser um sinal de humildade. Tudo que tenho a oferecer sou eu mesmo". Não acredito inteiramente nisso, mas me apoiei na frase. Era uma espécie de chancela. Se o Chris Marker diz isso, vou em frente. Aliás, os documentários que mais têm me interessado são os filmes pessoais. É claro que grande parte deles não tem interesse, são apenas exercícios de narcisismo. Mas quando eles são bons, sempre me surpreendem.

O que o levou a finalizar o documentário, um projeto que estava no limbo há tanto tempo? Qual fator foi determinante em sua decisão de retomar o filme?O tempo, ou melhor, a consciência dele. Aos 30 anos, quando filmei, não sabia que, depois de uma certa idade, o tempo entrava na gente. Ele vira um chato, à moda de um convidado inoportuno: a gente tenta se livrar dele mas não consegue. O sujeito vira um problema. Quando passei dos 40 anos, aconteceu isso comigo. Com a consciência do tempo, vêm as reavaliações, as dúvidas em relação ao que a gente fez e as suposições a respeito do que a gente ainda pode fazer. Isso provoca uma confusão danada. Voltei para aquelas imagens com a esperança de pôr alguma ordem nessa confusão. Ajudou.

Gostaria que você traçasse um paralelo entre Santiago, que trata de um personagem anônimo, e Nelson Freire, que busca revelar a dimensão humana, íntima, de um mito [o pianista Nelson Freire], de um homem superconhecido sobre quem se sabia tão pouco.É uma boa pergunta. Não sei se tenho uma boa resposta. Me aproximei do Nelson com muito cuidado e nenhuma intimidade. Filmei o Santiago com bastante intimidade e pouco cuidado. Curiosamente, são exatamente os equívocos da filmagem de Santiago que produziram o filme que acabei realizando 13 anos depois. É como se ele tivesse se tornado um personagem de cinema mais complexo exatamente por causa da tensão que se estabeleceu durante a filmagem. Se eu o tivesse filmado com suavidade, é possível que, do material bruto, não fosse possível extrair um filme com essas camadas todas: eu, ele, personagem, diretor, empregado, patrão, etc. Ele está mais vivo na tela exatamente por causa disso. É claro que não estou defendendo a rudeza como método, mas que as coisas são mais complicadas do que parecem, isso são. A gente às vezes se salva com um equívoco e naufraga com um acerto.

Fale um pouco sobre o crescente interesse do público por documentários. A que fatores você atribuiria esse despertar? À qualidade dos filmes, à maior oferta de títulos ou a um desejo crescente de aproximação da realidade?Não sei se o interesse é tão grande assim. O que aumentou foi a produção, e aí é aquela velha história: da quantidade vem a qualidade. Um ou outro filme encontra o seu público; outros, talvez a maioria, não. Duvido um pouco que as pessoas queiram se aproximar tanto assim da realidade. O Eduardo Coutinho costuma dizer que ficção é sonho – e é isso que as pessoas, acertamentente, buscam. Elas já vivem na realidade. Ora, o coeficiente de sonho do documentário é infinitamente menor do que o da ficção. Como diz o outro, o gênero humano não suporta realidade em demasia. O documentário sempre terá um público relativamente pequeno.

Qual seu próximo projeto?No momento, estou inteiramente dedicado à revista piauí, da qual sou editor. Por enquanto, é isso que me ocupa e me dá prazer.

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