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O espanhol Javier Bardem tem desempenho excepcional como o protagonista sensitivo de Biutiful |
O espanhol Javier Bardem tem desempenho excepcional como o protagonista sensitivo de Biutiful| Foto:

Cannes - O mexicano Alejandro González Iñárritu inaugurou a moda das tramas múltiplas inter-relacionadas no cinema mundial desde que estourou com Amores Brutos, em 2000. Depois, vieram as produções internacionais 21 Gramas(2003) e Babel (2006). Todos tinham roteiro de Guillermo Arriaga, sempre com a mesma fórmula em que as peças iam se encaixando perfeitamente, como num quebra-cabeças, terminando por formar um painel sobre o assunto abordado. Em Biutiful, candidato à Palma de Ouro no 63.º Festival de Cannes, apresentado na manhã da segunda-feira aos jornalistas e bastante aplaudido, ele deixou de lado o formato – e o roteirista.

Javier Bardem interpreta Ux­­bal, que vive de intermediar a produção de bolsas fabricadas por chineses ilegais e a venda dos artigos por imigrantes africanos igualmente ilegais em Barcelona. Sensitivo, sempre ganha um dinheirinho por conversar com os mortos. Sem nunca ter conhecido o pai, morto quando ele ainda estava na barriga da mãe, cuida dos dois filhos sem a ajuda da mulher bipolar. Uxbal descobre que está com um câncer em estágio avançado. Aos poucos, tenta acertar tudo à sua volta, não somente nas questões práticas, mas emocionais também. É mais uma interpretação estupenda do ator espanhol, forte candidato ao troféu de melhor ator, isso se o filme não levar outros prêmios em categorias mais importantes – o regulamento impede a repetição. É sua atuação que faz toda a diferença.

Iñárritu ainda acha que estamos todos conectados, mas desta vez abandona a necessidade de calcular cada um dos passos para contar várias histórias de diversos personagens. "Depois de Babel, fiquei exausto de rodar o mundo. Prometi a mim mesmo que iria filmar algo simples, sem usar inglês ou japonês. E achei que já tinha explorado demais as múltiplas histórias, os exercícios de narrativa. Queria experimentar o rigor de uma história linear. Foi um desafio", disse na coletiva de imprensa que se seguiu à exibição. "É um filme simples tentando capturar uma vida difícil."

O diretor negou, porém, que este trabalho seja sombrio e sem saída. "Eu acho que há toques de esperança. O personagem é cheio de luz, ele se doa. Mesmo tento a espada da morte sobre sua cabeça, tenta ajudar as pessoas. Tudo o que inspira tem amor e perdão", disse. "Eu acho que é o mais esperançoso dos meus filmes." Indagado se tem uma queda pelos papéis depressivos, Javier Bardem disse que gosta de filmes com significado. "A vida é depressiva, mas ela é o que temos e precisamos tentar torná-la melhor. O filme é intenso, mas há esperança em cada um de seus gestos."

Como tinha provocado certa surpresa quando definiu seu longa como esperançoso, Iñárritu resolveu voltar ao assunto. "Acredito que sobretudo meu filme é humano. Explosões, matanças, cinismo, isso é esperançoso? Acho muito depressivo", disse. "O filme é uma experiência íntima, e as pessoas não estão mais acostumadas com isso. A intimidade é o novo punk, é provocativa. Ficamos tão separados dos outros humanos que se falamos de morte, de envelhecer, de emoções humanas, é depressivo. A sociedade é que é doente. Biutiful é esperançoso porque é sobre nós."

Ele afirmou ter evitado dar tudo mastigado para os espectadores, porque não é o tipo de filme que gosta. "Normalmente, hoje em dia, nas produções mainstream, o público entende tudo imediatamente, não há espaço para ele completar o que falta, para ter um diálogo."

Cheio de silêncios, o longa-metragem aposta também nas imagens. A câmera está sempre muito próxima do protagonista. Rodrigo Prieto, mais uma vez, é o diretor de fotografia. "Quando o filme começa, o personagem é um controlador. Ele treme e é tenso, assim como a câmera. Quando ele se liberta disso, a câmera vai ficando mais aberta, mais quieta e mais silenciosa. Eu acho que os 20 minutos finais são um filme diferente do que veio antes", afirmou o diretor.

Segundo Alejandro González Iñárritu, é a primeira vez que o resultado final o deixou totalmente satisfeito. "Quanto termino um filme, normalmente atravesso um processo de ódio. Agora, estou muito feliz e muito orgulhoso." E ele tem razão de estar. Biutiful é seu melhor trabalho desde Amores Brutos. E, a julgar pela reação emocionada de muitos jornalistas, pode, por que não, dar-lhe a Palma de Ouro.

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