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Aracy de Carvalho driblou as restrições à imigração de judeus ao Brasil enquanto trabalhava no consulado de Hamburgo | Reprodução
Aracy de Carvalho driblou as restrições à imigração de judeus ao Brasil enquanto trabalhava no consulado de Hamburgo| Foto: Reprodução

Em meio ao terror praticado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, a ação de alguns personagens históricos pouco lembrados foi determinante para a sobrevivência de milhares de refugiados. Três obras publicadas recentemente no Brasil resgatam a história desses "justos" – os não judeus que agiram para salvar judeus durante o conflito –, como o português Aristides de Sousa Mendes e a brasileira Aracy de Carvalho.

O homem que trocou a carreira por 30 mil vidas

Aristides da Sousa Mendes é o clássico exemplo de personagem histórico que só foi reconhecido postumamente. Ainda assim, trata-se de um reconhecimento pequeno diante da grandeza de seus atos durante a Segunda Guerra Mundial. Quando Hitler invadiu a França, em maio de 1940, Sousa Mendes ocupava o posto de cônsul de Portugal na cidade de Bordeaux. Nessa condição, contrariou as ordens do ditador português Antônio Salazar e emitiu dezenas de milhares de vistos a refugiados que queriam escapar das garras do nazismo.

O maior mérito da biografia Um Homem Bom, escrita pelo português Rui Afonso, é dar publicidade a um herói semiesquecido. Após desobedecer Salazar, que limitava expressamente a emissão de vistos a estrangeiros que não tivessem uma passagem de navio ou avião para provar a sua intenção de sair de Portugal, Sousa Mendes, pai de 13 filhos, foi punido com o afastamento do cargo e a redução no valor da pensão a que tinha direito. Como consequência, passou os últimos anos de vida na penúria financeira, dependendo da ajuda de amigos e até da sopa dos pobres servida em Lisboa.

Estima-se que 30 mil pessoas – entre belgas, holandeses, alemães, luxemburgueses, austríacos, poloneses e checos – foram ao consulado português e obtiveram a autorização emitida por Sousa Mendes. O senso humanitário do cônsul – que, a certa altura, assinava vistos no meio da rua, em qualquer tipo de documento e até em pedaços de papel – custou-lhe caro. Somente em 1987, o parlamento português reabilitaria oficialmente a honra do diplomata (que, num fato curioso para os paranaenses, servira em Curitiba no início da carreira diplomática, entre 1918 e 1919). Rui Afonso deixa claro na sua obra que, apesar da atitude heroica num dos momentos mais críticos da História, Sousa Mendes não era um ho­mem de moral totalmente ilibada: durante anos, teve uma amante, que lhe deu a filha mais nova; e, apesar das divergências pessoais com integrantes do governo Salazar, não se opunha a regimes autoritários.

Populismo

Durante décadas, ironicamente, Salazar gabava-se de Portugal ter acolhido refugiados durante a guerra. O que o ditador não revelava, entretanto, é que a maioria deles só chegara ao país porque suas próprias ordens haviam sido desrespeitadas. (JPP)

Serviço:Um Homem Bom, de Rui Afonso. Casa da Palavra, 400 págs., R$ 48. GGG

Em busca da verdade sobre Aracy, a "Justa"

A historiadora Mônica Raisa Schpun apresenta seu trabalho como um "livro de história das migrações". A definição reflete o cuidado formal da autora. Apesar do título (Justa – Aracy de Carvalho e o Resgate de Judeus: Trocando a Alemanha Nazista pelo Brasil) insinuar uma biografia, a historiadora faz mais que isso, até porque encontrou dificuldade para refazer os passos da brasileira. Aracy é o ponto de partida e o ponto de chegada. Traz humanidade e beleza a um relato que seria, de outra forma, uma descrição infinita de sofrimento.

Aracy de Carvalho, que faleceu em março, aos 102 anos, em São Paulo, era uma moça de família próspera, meio alemã meio portuguesa. Casou, teve um filho e divorciou-se, o que a deixou em posição desconfortável no Brasil dos anos 30. Talvez por isso tenha ido viver na Alemanha. Para se sustentar, arranjou emprego no consulado brasileiro em Hamburgo. Tornou-se integrante do corpo diplomático em um momento em que a Alemanha fechava o cerco aos judeus e que a maioria dos países, inclusive o Brasil, fechava portas para eles.

Diplomatas brasileiros estavam orientados a dificultar a imigração de judeus. Por convicção pessoal, Aracy agiu no sentido oposto. Segundo relatos de judeus que se instalaram em São Paulo, a funcionária encarregada da emissão de vistos ajudou-os a imigrar usando, quando necessário, pequenas artimanhas, já que não tinha o apoio dos colegas. O vice-cônsul na época era Guimarães Rosa, com quem mais tarde ela se casou. Se fazia vistas grossas para as ações da namorada, o escritor parece não ter se envolvido na ajuda aos judeus.

Mônica não endeusa Aracy. É exigente na busca de provas de que ela fez algo além de cumprir sua tarefa. A emissão de vistos brasileiros para judeus não estava proibida, mas havia limitações que indicavam que, do ponto de vista do governo Getúlio Vargas, eles não eram bem-vindos.

O zelo da historiadora faz com que, ao avançar as páginas, o leitor se pergunte se há fatos para sustentar a homenagem dada por Israel a Aracy, incluída na lista de "justos" (não judeus que salvaram a vida de judeus durante o Holocausto). A questão em suspenso causa desconforto, assim como o tom acadêmico adotado em trechos do livro. Mas a leitura vale a pena. O rigor de Mônica deixa o leitor tranquilo em relação à seriedade das ações de Aracy e compõe um amplo quadro da realidade em que a imigração se deu. (MS)

Serviço:Justa - Aracy de Carvalho e o Resgate de Judeus: Trocando a Alemanha Nazista pelo Brasil, de Mônica Raisa Schpun. Civilização Brasileira, 530 págs., R$ 45. GGGG

Motivações de quem agiu e de quem se omitiu

Quando Steven Spielberg lançou o filme A Lista de Schindler, em 1993, chamou a atenção para a ação de pessoas que salvaram judeus durante o regime nazista. Schindler talvez tenha sido o mais polêmico deles, mesmo assim é reconhecido como um dos "Justos" por Israel. Ele é um dos personagens deste livro da historiadora húngara Agnes Grunwald-Spier.

Houve quem agiu por motivação religiosa, como os quakers ame­­­­ricanos, que organizavam mis­­sões de resgate. Outros teriam agido por causas humanitárias ou po­­líticas, como os alemães que fa­­ziam parte da resistência ao nazismo.

A primeira parte do livro é dedicada a retratar estas pessoas e a forma como agiram. Em seguida, evolui para a reflexão que surge após se conhecer esses casos: por que a maioria era de espectadores? O livro não pretende fazer julgamento moral. Divide com o público uma reflexão que persiste especialmente entre os acadêmicos que se debruçam sobre a política de extermínio nazista. (MS)

Serviço:Os Outros Schindlers, de Agnes Grunwald-Spier. Cultrix, 303 págs., R$ 45. GG

Para ler com seus filhos

O que é imigração?

Imigração é o movimento em que uma pessoa ou um grupo de pessoas deixa um país para viver em outro. Algumas pessoas trocam de país porque se identificam melhor com outro lugar, que não é aquele em que nasceram. Mas essas são exceções. Em geral a imigração acontece quando a economia do país de origem vai mal ou quando existe algum tipo de perseguição.

História

Sempre houve migrações na história da humanidade. A maioria dos povos, mesmos os mais antigos, é formada por uma combinação de várias etnias que se misturaram através desses movimentos de população.

Imigração forçada

Alguns povos foram forçados a deixar a terra onde viviam. Foi o caso dos judeus que viviam nos territórios alemães durante o governo nazista (de 1933 a 1945). Primeiro, eles foram estimulados a ir embora. Depois, os que ficaram foram levados a campos de extermínio para serem mortos. Por isso, os que conseguiam fugir se mudaram para outros países.

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