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Antigo Cadeião de Londrina: presos passavam maus bocados | Gilberto Abelha/Jornal de Londrina
Antigo Cadeião de Londrina: presos passavam maus bocados| Foto: Gilberto Abelha/Jornal de Londrina

Relançamento

Livro trata da tortura de presos comuns

Tony Hara conheceu o livro Dos Porões da Delegacia de Polícia por volta de 1992, quando cursava Jornalismo na Universidade Estadual de Londrina (UEL). No mestrado, o pesquisador se debruçou sobre crônicas policiais para escrever o livro Caçadores de Notícias (2000). Cada vez mais, percebia a relevância da obra de Marinósio Filho. "É um livro importante, porque as coisas que ele denuncia não foram superadas pela história", ressalta.

Em contato com Ângela Trigueiros, nora de Marinósio Filho, os pesquisadores tiveram acesso a uma farta documentação reunida pelo escritor. A colaboração da família de Marinósio se revelou fundamental para o relançamento.

No início do livro, há o olhar sobre a história da cidade, os delegados, casos e o cotidiano da cadeia. Quanto mais a cronologia se aproxima dos anos 1970, porém, aumentam as denúncias de violência policial, conferindo dois momentos específicos à obra. "A gente vivia em regime totalitário, havia certa pressão sobre torturas de presos políticos. Mas [denúncias de] tortura sobre presos comuns praticamente não existiam", revela o pesquisador.

Londrina ainda era um projeto, por volta de 1926, quando os desbravadores abriam estradas e delimitavam espaços. Já nesta época, nas casinhas de palmito, a única diversão do local apinhado de homens ficava por conta de uma moça trazida de Ourinhos, pioneira da zona do meretrício que se desenvolveria na Rua Rio Grande do Sul – depois Rua Brasil. Pois a demanda era tanta, que a garota foi para a cidade paulista buscar reforço.

Desenvolvia-se, a partir de então, um espaço capaz de reunir jagunços, prostitutas e boêmios, uma zona decaída onde a polícia agia com truculência. Um espaço contrastante com a propaganda de cidade planejada e em franca expansão.

Foi justamente este aspecto da cidade que o jornalista, escritor e compositor Marinósio Filho destacou no livro Dos Porões da Delegacia de Polícia, lançado originalmente em 1979. No mês passado, a obra ganhou nova edição pela Coleção Doc.Londrina e Kan Editora, com patrocínio do Promic e organização de Tony Hara, que desenvolveu a pesquisa ao lado de Felipe Melhado.

Marinósio Filho era um sujeito articulado. Saiu de Salvador, onde nasceu, em 1939, num giro pelo norte e nordeste do Brasil onde acumulou informações para criar o grupo musical Afoxé – uma iniciativa compatível à música nacional populista de cunho getulista.

Com uma linguagem musical definida pelos instrumentos afro-indígenas, Marinósio desceu até o Uruguai, onde a marcha "Cachaça Não É Água", de sua autoria, fez sucesso. No retorno ao Brasil, porém, Marinósio parou em Londrina. Como homem da noite, viu o dinheiro circulando, em 1947, e fez o que muitos faziam: aliou-se a um grupo político para criar o jornal O Combate.

Denúncias

No jornalismo, entretanto, acabou por dar voz aos desvalidos de toda sorte, narrando casos como o do menor que, após sofrer violência sexual na cadeia, mudou o nome para Adriana.

Torturas, afogamentos, assassinatos: as práticas corriqueiras foram denunciadas pela pena do jornalista, apresentando uma Londrina diferente daquela exaltada pela publicidade, que se refletiria na historiografia oficial. Enquanto o jornalismo policial parecia concordar com tais "procedimentos", Marinósio, um pioneiro do gênero, seguiu caminho contrário.

Tony Hara explica o cenário com uma frase famosa do escritor João Antonio, que também fez sua leitura da cidade: "Em Londrina, o mais bobo acende cigarro no relâmpago".

Destacar esta voz dissonante é uma das características da coleção Doc.Londrina, que também reeditou o romance satírico Escândalos da Província (1959), do jornalista Edison Maschio. O próximo livro será dedicado justamente a João Antonio – uma compilação de textos memorialistas (e autobiográficos) que deve sair até novembro.

"Acho estranho demais você ter uma pluralidade, mas eleger apenas uma perspectiva", ressalta o jornalista e historiador Tony Hara, para quem a diversidade de abordagens torna Londrina uma cidade mais interessante e humana. Daí a vontade de destacar aqueles que foram ficando à margem da história.

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