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"Eu comecei a escrever com mais de 40 anos, movida por uma premência quase sobrenatural e não tenho dúvida de que ia enlouquecer se não escrevesse", diz Heloisa Seixas em entrevista por e-mail à Gazeta do Povo.

A resposta dá a medida de sua relação com a palavra escrita. Uma relação que ela descreve com afeto e entusiasmo em O Prazer de Ler, um livro relativamente pequeno (tem o formato de bolso e 80 páginas) em que a autora três vezes finalista do Prêmio Jabuti combina memórias pessoais e guia de leitura.

Mulher do jornalista e escritor Ruy Castro, autor de Anjo Pornográfico e Estrela Solitária, Heloisa publicou mais de uma dezena de livros, incluindo A Porta, Pérolas Absolutas e O Lugar Escuro, este sobre o mal de Alzheimer. Além de editar coletâneas de textos de Ruy Castro, como O Leitor Apaixonado, Tempestade de Ritmos e Um Filme É para Sempre.

Dona de um estilo encantador, ela fala a seguir sobre o poder que a literatura tem de salvar vidas. E isso não é uma metáfora.

O cineasta Luís Buñuel afirmou que as lembranças que guardamos de um livro lido, por vezes, conseguem ser tão fortes quanto lembranças de experiências vividas. Existe alguma leitura que a marcou o suficiente para entrar na sua memória com a força descrita por Buñuel?

Sem dúvida. Várias vezes isso me aconteceu. Eu conto no livro, por exemplo, o impacto que senti ao ler O Grande Gatsby, do Fitzgerald, que me deixou imobilizada, como se um peso enorme tivesse caído sobre mim, o peso das misérias, da mesquinhez humana. Isso é muito forte e fica para sempre. Lembro também de como, ao ler A Letra Escarlate, de Nathanael Hawthorne, a figura da pequena Pearl me marcou de tal forma que, anos depois, escrevi uma crônica sobre o Rio, em que sem querer comparei a cidade à personagem de Hawthorne, porque naquela época o Rio era como Pearl, linda e ao mesmo tempo maldita. Quando os livros se entranham em nós acontecem coisas assim.

Como surgiu a ideia para O Prazer de Ler?

O Prazer de Ler faz parte de uma coleção de livrinhos lindos da Casa da Palavra, coleção que começou com O Prazer de Ficar em Casa. O pessoal da editora, ao pensar em leitura, me convidou e eu aceitei fazer.

O livro parece fazer uma combinação de memórias com guia de leitura. Essa mistura foi casual ou, no momento que se sentou para escrever, já sabia que o livro teria esse formato?

Já tinha uma ideia do formato e do tamanho (um livro pequeno), mas muita coisa surgiu ao sabor da pena. Escrevi como se conversasse, como se contasse a alguém minhas experiências, meus prazeres, minhas dificuldades. Esse livro foi talvez também uma consequência de várias palestras que dei, em bienais e feiras de literatura, ao longo dos últimos anos. E isso em grande parte porque publiquei, em 2007, pelo selo jovem da Record, o Galera, um livro reunindo textos meus sobre leitura, Uma Ilha Chamada Livro. Além disso, na mesma época, organizei um livro de textos do Ruy (Castro) também sobre literatura, O Leitor Apaixonado (Companhia das Letras).Você fala da leitura que dá prazer, mas vou arriscar uma pergunta sobre a leitura que, em geral, não é prazerosa – como a que é feita por obrigação para os estudos ou para o trabalho.

Qual é o texto que não te dá prazer algum e como você lida com ele, quando não pode fugir?

Há muito tempo que – felizmente! – não sei o que é ler por obrigação. Mas admito que muitas vezes pego livros difíceis e me obrigo a seguir até o fim, porque acho insuportável a ideia de largar um livro pela metade. São coisas que eu também relato em O Prazer de Ler, quando falo da leitura dos clássicos mais difíceis, como Moby Dick ou Os Sertões, por exemplo. Mas sempre há um prazer entremeado às dificuldades. É muito, muito raro eu pegar um livro e lê-lo inteiro com uma sensação de desprazer.

Você arriscaria dizer qual é o leitor-alvo de O Prazer de Ler? Parece que o livro procura informar um leitor que ainda não sabe bem os caminhos que pode tomar.

O Prazer de Ler é um livro daqueles que podem agradar a pessoas de qualquer idade, mas confesso que ao escrever pensei muito nos jovens. Cheguei mesmo a falar neles, na dificuldade que é inocular na criança e no jovem o prazer da leitura, tirar deles a sensação de que ler é uma obrigação, coisa chata, que precisa ser feita para não tirar nota ruim. Quanto a essa coisa de ensinar caminhos, acho que eu não tenho essa pretensão, até porque não sou uma pessoa erudita. Quis apenas dividir o meu caminho, as minhas escolhas pessoais, com os leitores. Esses devem buscar seus próprios caminhos – e que sejam, de preferência, prazerosos.

Como você organiza a sua rotina de leituras? Há uma cota diária de horas, um equilíbrio entre obrigação e diversão?

Só leio por prazer. Mesmo os livros que leio por causa de algum trabalho que estou fazendo acabam sendo prazerosos, porque só costumo trabalhar com o que gosto. Tenho esse privilégio. Não tenho rotina de leitura, ela varia muito, mas tenho, sim, o hábito (razoavelmente recente, antes não era assim) de ler vários livros ao mesmo tempo.

A escritora Joan Didion (O Ano do Pensamento Mágico), depois de perder o marido, buscou livros sobre luto para tentar entender o momento que estava vivendo. Segundo ela, é o que leitores costumam fazer. Você conseguiria dizer qual foi a lição mais importante que aprendeu com a literatura?

A literatura salva. Quando as coisas andam ruins, eu costumo dizer para mim mesma: "Vou voltar para o século 19". É minha senha de salvação. Mas as lições mais importantes que aprendi com a literatura têm a ver não com a leitura, mas com a escrita. Eu comecei a escrever com mais de 40 anos, movida por uma premência quase sobrenatural e não tenho dúvida de que ia enlouquecer se não escrevesse. Outra experiência impressionante que presenciei aconteceu com o Ruy: ele estava começando a escrever Carmen, a biografia da Carmen Miranda, quando teve um diagnóstico de câncer. E escreveu aquele livro enquanto fazia o tratamento, que foi terrível. Quando o livro ficou pronto, ele não cansava de dizer: "Carmen salvou a minha vida". Aí está. É o poder da literatura em suas várias formas.

Serviço

O Prazer de Ler, de Heloisa Seixas. Casa da Palavra, 80 págs., R$ 16.

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