
A leitura transforma seres humanos. A frase bem que poderia ser o slogan da Jornada Nacional de Literatura, que este ano chegou a sua 13.ª edição, realizada de 26 a 30 de outubro. A cidade gaúcha, distante 300 quilômetros de Porto Alegre, ao norte do estado, tem o maior índice de leitura per capita do Brasil. A mais recente pesquisa aponta que cada passo-fundense lê, em média, 6,5 livros por ano, cifra bem superior à média nacional (1,8). E essa realidade é fruto direto e indireto da Jornada, que é apenas, para usar um clichê, a ponta de um iceberg.
Emanuele Cobelincki e Silvia Barbosa, ambas de 15 anos, alunas da primeira série do ensino médio, contam que passaram a ser leitoras a partir de iniciativas que, em conjunto, acontecem permanentemente na cidade. O projeto Livro do Mês, a exemplo do que o título sugere, indica uma obra, que é lida por quase todos os estudantes. Posteriormente, o autor do livro visita Passo Fundo para conversar com os alunos sobre enredo, personagens, linguagem etc. No mês de setembro, elas e muitos outros alunos leram O Fazedor de Velhos e, em sequência, tiveram a oportunidade de dialogar com o autor, Rodrigo Lacerda.Este ano é a quarta vez que Emanuele participa da Jornada. Silvia também começou a frequentar o evento ainda menina: ela contabiliza três jornadas no currículo. As duas estudantes, beneficiadas pelo acontecimento, nem eram nascidas quando, em 1981, a professora de Teoria Literária da Universidade de Passo Fundo (UPF) Tânia Rösing constatou que o curso de Letras era incapaz de despertas nos alunos o interesse e o desejo pela leitura. Diante de uma cuia com mate, ela conversou com o escritor, e amigo, Josué Guimarães. Surgiu, entre sorrisos, a ideia de que promover um encontro com autores, mais que qualquer rima, poderia ser solução.Tânia hesitou, mas Guimarães garantiu que alguns de seus amigos, como os poetas Mário Quintana e Carlos Nejar e o escritor Moacyr Scliar, prestigiariam o evento. Não deu outra. Quintana, Nejar e Scliar atraíram mais de 700 pessoas para a primeira edição. Dois anos depois, Guimarães convocou outros amigos: Millôr Fernandes, Fernando Sabino, Otto Lara Resende e Antonio Callado. Desde então, Tânia é a coordenadora desse evento que, se não é perfeito, é muito superior a qualquer outro que acontece no Brasil, por transcender o período em que a "festa" se realiza.
Fio desencapado
Este ano, a Jornada atraiu, por dia, 500 adultos e 1,7 mil crianças e adolescentes. Naturalmente, é uma parcela mínima diante dos 195 mil habitantes de Passo Fundo. Durante dois dias, o repórter da Gazeta do Povo percorreu, durante duas horas, as ruas centrais da cidade, a cinco quilômetros do campus da UPF, e entrevistou, aleatoriamente, dez pessoas.
Uma comerciante, que pediu para não ser identificada, "para não ficar mal na fotografia", disse que não lê nenhum livro e nunca participou da Jornada. A afirmação da mulher, de 41 anos, traduz a situação da maioria da população: a Jornada é feita para estudantes, professores, alunos da UPF e escritores. "O evento é direcionado. Dizer que todo mundo aqui lê é mais propaganda do que realidade", disse a comerciante, à frente de uma padaria.
Outro dado significativo, verificado informalmente pela reportagem da Gazeta do Povo, é o fato de que os frequentadores da Jornada citarem apenas livros que estão nas listas dos mais vendidos. Nenhum autor gaúcho foi mencionado, pelo menos entre as pessoas com que o repórter conversou.
A professora do ensino fundamental Ivanise Mocelin, de 40 anos, conta que frequenta a Jornada há pelo menos 15 anos. Ela só lê obras de Augusto Cury e Içami Tiba, autores que flertam com a autoajuda, não-literários. Sabrina Florêncio e Caroline Fortes, as duas de 10 anos, dizem que os projetos de estímulo à leitura da Capital Brasileira da Literatura atingem a cidade em que elas moram, Palmeira das Missões, situada nas imediações de Passo Fundo. Ambas leem pelo menos um livro por semana e são fãs do escritor Pedro Bandeira, homenageado na edição 2009 da Jornada.
"Depois que comecei a ler, sei mais palavras, parece que consigo imaginar melhor as coisas. A leitura mudou a minha vida", diz Caroline, em nome de Sabrina, e de muitos outros gaúchos.O jornalista viajou a convite da organização da Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo.



