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Jornada Nacional de Literatura, que este ano chegou a sua 13ª edição, parece ter fomentado o hábito de leitura na cidade | Fotos: Tiago Lermen/AUPF/Divulgação
Jornada Nacional de Literatura, que este ano chegou a sua 13ª edição, parece ter fomentado o hábito de leitura na cidade| Foto: Fotos: Tiago Lermen/AUPF/Divulgação

A Arte do Encontro

A Jornada Nacional de Literatura proporciona o encontro entre autor e leitor. A reportagem da Gazeta do Povo presenciou um desses momentos

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Eram 14h27, terça-feira, 27 de outubro. Sol e calor intensos. O escritor e jornalista Fernando Molica participava de um debate sobre Jornalismo, Cinema e Internet, dentro da lona principal. Falou durante 20 minutos. Em determinado momento, disse que o livro reportagem O Homem que Morreu Três Vezes foi um desafio, pois ele quase escorregou diante dos limites entre realidade e ficção. Ficção mesmo há em dois romances dele: Notícias do Mirandão e O Ponto da Partida.

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Outros autores falaram depois de Molica. Encerrada a discussão, ele circulava dentro do pavilhão da Jornada, quando foi abordado por Lilian Castelo Branco. Ela tem 33 anos, mora no Maranhão e participa do curso de Mestrado em Letras na Universidade Federal do Piauí. Deslocou-se até Passo Fundo para apresentar um trabalho e, então, a surpresa: Molica falou justamente sobre o tema de sua pesquisa, a fronteira entre ficção e realidade. "Foi muito importante, para mim, presenciar a fala do Molica", disse Lílian. "Isso, esse encontro, é mágico", completou Molica.

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O melhor e o pior da Jornada Nacional de Literatura

Aplausos

A iniciativa, da organizadora Tânia Rösing, que luta contra qualquer pedra no caminho, para realizar a cada dois anos, esse evento. "Se fecham uma porta, entro pela janela. Ou pela fechadura", diz Tânia, que consegue articular os poderes municipal, estadual e federal, além do apoio da UPF, para fazer o evento. Em 1981, início da Jornada, havia duas papelarias e índice de leitura pífio em Passo Fundo. Hoje, há mais de 15 livrarias.

Profissional

Todos os profissionais de imprensa foram unânimes em apontar Cristovão Tezza, além de ser autor de obras relevantes, como o autor mais acessível, sempre gentil e disposto a conceder entrevistas, seja para tevês comerciais como para estagiários de jornal laboratório.

Sugestão

As discussões, às vezes com a presença de até cinco autores, relevaram-se pouco produtivas. "Não consegui falar nada", reclamou um escritor, pedindo para não ser identificado. Participantes, consultados de maneira aleatória, também disseram que se houvessem dois escritores apenas, as conversas renderiam mais.

A leitura transforma seres humanos. A frase bem que poderia ser o slogan da Jornada Nacional de Literatura, que este ano chegou a sua 13.ª edição, realizada de 26 a 30 de outubro. A cidade gaúcha, distante 300 quilômetros de Porto Alegre, ao norte do estado, tem o maior índice de leitura per capita do Brasil. A mais recente pesquisa aponta que cada passo-fundense lê, em média, 6,5 livros por ano, cifra bem superior à média nacional (1,8). E essa realidade é fruto direto e indireto da Jornada, que é apenas, para usar um clichê, a ponta de um iceberg.

Emanuele Cobelincki e Silvia Barbosa, ambas de 15 anos, alunas da primeira série do ensino médio, contam que passaram a ser leitoras a partir de iniciativas que, em conjunto, acontecem permanentemente na cidade. O projeto Livro do Mês, a exemplo do que o título sugere, indica uma obra, que é lida por quase todos os estudantes. Poste­riormente, o autor do livro visita Passo Fundo para conversar com os alunos sobre enredo, personagens, linguagem etc. No mês de setembro, elas e muitos outros alunos leram O Fazedor de Velhos e, em sequência, tiveram a oportunidade de dialogar com o autor, Rodrigo Lacerda.Este ano é a quarta vez que Emanuele participa da Jornada. Silvia também começou a frequentar o evento ainda menina: ela contabiliza três jornadas no currículo. As duas estudantes, beneficiadas pelo acontecimento, nem eram nascidas quando, em 1981, a professora de Teoria Literária da Universidade de Passo Fundo (UPF) Tânia Rösing constatou que o curso de Letras era incapaz de despertas nos alunos o interesse e o desejo pela leitura. Diante de uma cuia com mate, ela conversou com o escritor, e amigo, Josué Guimarães. Surgiu, entre sorrisos, a ideia de que promover um encontro com autores, mais que qualquer rima, poderia ser solução.Tânia hesitou, mas Guima­­rães garantiu que alguns de seus amigos, como os poetas Mário Quintana e Carlos Nejar e o escritor Moacyr Scliar, prestigiariam o evento. Não deu outra. Quin­tana, Nejar e Scliar atraíram mais de 700 pessoas para a primeira edição. Dois anos depois, Guimarães convocou outros amigos: Millôr Fer­­nandes, Fer­­nando Sabino, Otto Lara Resende e Antonio Cal­­lado. Desde então, Tânia é a coordenadora desse evento que, se não é perfeito, é muito superior a qualquer outro que acontece no Brasil, por transcender o período em que a "festa" se realiza.

Fio desencapado

Este ano, a Jornada atraiu, por dia, 500 adultos e 1,7 mil crianças e adolescentes. Natural­­mente, é uma parcela mínima diante dos 195 mil habitantes de Passo Fundo. Durante dois dias, o repórter da Gazeta do Povo percorreu, durante duas horas, as ruas centrais da cidade, a cinco quilômetros do campus da UPF, e entrevistou, aleatoriamente, dez pessoas.

Uma comerciante, que pediu para não ser identificada, "para não ficar mal na fotografia", disse que não lê nenhum livro e nunca participou da Jornada. A afirmação da mulher, de 41 anos, traduz a situação da maioria da população: a Jornada é feita para estudantes, professores, alunos da UPF e escritores. "O evento é direcionado. Dizer que todo mundo aqui lê é mais propaganda do que realidade", disse a comerciante, à frente de uma padaria.

Outro dado significativo, verificado informalmente pela reportagem da Gazeta do Povo, é o fato de que os frequentadores da Jornada citarem apenas livros que estão nas listas dos mais vendidos. Nenhum autor gaúcho foi mencionado, pelo menos entre as pessoas com que o repórter conversou.

A professora do ensino fundamental Ivanise Mocelin, de 40 anos, conta que frequenta a Jornada há pelo menos 15 anos. Ela só lê obras de Augusto Cury e Içami Tiba, autores que flertam com a autoajuda, não-literários. Sabrina Florêncio e Caroline Fortes, as duas de 10 anos, dizem que os projetos de estímulo à leitura da Capital Brasileira da Literatura atingem a cidade em que elas moram, Palmeira das Missões, situada nas imediações de Passo Fundo. Ambas leem pelo menos um livro por semana e são fãs do escritor Pedro Bandeira, homenageado na edição 2009 da Jornada.

"Depois que comecei a ler, sei mais palavras, parece que consigo imaginar melhor ‘as coisas’. A leitura mudou a minha vida", diz Caroline, em nome de Sabrina, e de muitos outros gaúchos.O jornalista viajou a convite da organização da Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo.

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