
Berlim - Era uma vez um muro. Tinha 155 quilômetros de extensão, 4,2 metros de altura e dividia uma cidade e o mundo. Começou a ser construído por soldados e operários da antiga República Democrática da Alemanha (RDA) nos primeiros minutos da madrugada de 13 de agosto de 1961, um domingo, surpreendendo a tudo e a todos. Ruas, avenidas e praças foram fechadas, linhas de ônibus e bondes interrompidas. Famílias e amigos foram separados e empregos, perdidos. Chamado de "muro da vergonha", foi durante 28 anos e três meses o símbolo da Guerra Fria entre o Ocidente capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o mundo comunista, sob a tutela da extinta União Soviética. Cerca de 130 pessoas morreram ao tentar fugir para o setor ocidental.
Hoje, exatamente 50 anos após o início de sua construção, pouco resta do Muro de Berlim. E o mundo não é mais o mesmo: a Guerra Fria terminou, o Leste Europeu deixou de ser comunista, a Alemanha é uma só e Berlim também é uma só com os seus quase 4 milhões de habitantes. Pedaços do muro e pequenos trechos dele ainda podem ser vistos em alguns pontos da capital da Alemanha.
Na Bernauer Strasse, um pedaço foi transformado em memorial. Na área da antiga Gestapo, na Niederkirchner Strasse,onde foi montada a exposição Topografia do Terror (a história da 2.ª Guerra Mundial e do pós-guerra) há um trecho de mais de 100 metros. O trecho mais longo, de cerca de um quilômetro, ainda está de pé perto da estação de trem Ostbahnhof. Pintado por artistas, o paredão é hoje uma galeria de arte. Duas torres de vigia ainda permanecem no Schlesichen Busch, no bairro de Treptow, e na Kieler Strasse, no centro. Também no centro, um local que virou atração turística é o Checkpoint Charlie, um ponto de passagem que era controlado pelos norte-americanos.
Divisão
Derrotada na Segunda Guerra Mundial, a Alemanha teve o seu território dividido em quatro setores: soviético (o maior deles), americano, britânico e francês. E Berlim, inteiramente dentro do setor soviético, também foi dividida em quatro áreas pelos vencedores do conflito. Até 1949, a Alemanha não existiu formalmente, sendo administrada pelos quatro aliados, mas em junho daquele ano foi fundada a República Federal da Alemanha (RFA) compreendendo os setores sob responsabilidade dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e França, com capital em Bonn. Poucos meses depois, na área administrada pela hoje extinta União Soviética, foi criada a República Democrática da Alemanha (RDA), sendo capital a parte soviética de Berlim.
Em 1948, o líder soviético Josef Stalin (1878-1953), resolveu isolar a parte ocidental de Berlim (enclave no setor controlado pela ex-URSS), impedindo qualquer tipo de acesso por terra. Foi o primeiro sinal do que viria a ser conhecido como Guerra Fria. A tensão instalou-se novamente na região a ponto de se temer um novo conflito armado, desta vez entre os soviéticos e as potências ocidentais.
Quando a população da parte ocidental de Berlim começou a ficar sem alimentos e combustíveis, o cerco à cidade foi contornado com a criação, por parte dos aliados, de uma ponte aérea. A cada cinco minutos um avião descia nos dois aeroportos do lado ocidental Tegel e Tempelhof com provisões e água. A ponte aérea funcionou de 24 de junho de 1948 a 11 de maior de 1949. Em 1953, um levante de operários no lado oriental foi sufocado com a ajuda de tanques soviéticos. Os tanques atacaram os revoltosos no dia 17 de junho.
Barreira inexpugnável
A construção do muro vinha sendo arquitetada há algum tempo, pois muitas pessoas abandonavam diariamente as suas casas e até mesmo os empregos para viver e trabalhar no lado ocidental, atraídas pelo desenvolvimento e pelas facilidades oferecidas pela República Federal da Alemanha. A fuga da população começara no início dos anos 1950.
Curiosamente, dois meses antes do início da construção e diante dos primeiros rumores de que a cidade poderia ser dividida, o então líder alemão oriental Walter Ulbricht (1893-1973) assegurou numa entrevista a jornalistas internacionais que não havia qualquer disposição nesse sentido: "Vou interpretar a sua pergunta da maneira que, na Alemanha Ocidental, existem pessoas que desejam que mobilizemos os trabalhadores para construir um muro. Eu não sei nada sobre tais planos, sei que os trabalhadores na capital estão ocupados principalmente com a construção de apartamentos e que suas capacidades são inteiramente utilizadas. Ninguém tem a intenção de construir um muro!", disse.
O momento
Ulbricht encarregou Erich Honecker (1912-1994), secretário do Conselho Nacional de Defesa e mais tarde chefe de Estado e de governo da RDA, de cercar a fronteira. À 1h05 de 13 de agosto, apagou-se a iluminação de rua no Portão de Brandemburgo. Cerca de 20 mil policiais da Guarda de Fronteira, soldados, funcionários da Stasi (a agência que reunia os serviços de inteligência e polícia secreta da Alemanha Oriental), além de trabalhadores, avançaram rumo à demarcação do setor ocidental. Cercas de arame farpado e blocos de concreto armado foram instalados. Seis horas depois, a fronteira estava toda cercada. Uma segunda fortificação foi construída mais tarde e a seu redor foi demarcada uma faixa de segurança, que chegou a ter mais de cem metros de largura,com minas, 300 torres de vigilância, 20 bunkers, 260 canis, minas e numerosos postes com holofotes.
No mesmo dia 13 de agosto de 1961, o chanceler da Alemanha Ocidental, Konrad Adenauer (1876-1967), dirigiu-se à população pelo rádio, pedindo calma e anunciando reações ainda não definidas a serem colocadas junto com os aliados. O prefeito de Berlim Willy Brandt (1913-1992) protestou contra a construção do muro e a divisão da cidade, mas sem sucesso.
O historiador Bernd Ingmar Gutberlet, autor de vários livros (As 50 Maiores Mentiras e Lendas da História, Os 33 Eventos Mais Importantes da História da Alemanha e O Calendário Maia, entre outros), reafirma na edição de julho da revista Berlin&I, conceituado guia da capital alemã, que não foi mera coincidência o fato de a construção do muro ter começado em agosto, no ponto alto do verão europeu. Segundo ele, como era época de férias, o governo da RDA temia realmente um êxodo de berlinenses orientais para o lado ocidental e mesmo para outras regiões da Alemanha não comunista. Gutberlet organiza e acompanha tours individuais e em grupos ao longo dos principais pontos do antigo muro. Os passeios duram duas horas.
Os mortos
Muitas pessoas tentaram atravessar o muro apesar do perigo a que estavam sujeitas. De 13 de agosto de 1961 a 9 de novembro de 1989 (exatamente 10.315 dias), quando o muro começou a ser derrubado, houve 5.075 fugas bem-sucedidas. Apesar dos perigos, muitos alemães orientais não desistiram de escapar para o Ocidente. O número de mortos é impreciso e gera controvérsias. Fala-se em 136 mortos oficialmente, mas uma ONG, a Treze de Agosto, contabiliza 270.
Nas proximidades do Reichstag, sede do parlamento alemão, há um pequeno memorial com os nomes de algumas das vítimas, principalmente da primeira Günter Litfin, morto no dia 24 de agosto de 1961, e dos dois últimos, Chris Gueffroy, de 20 anos, que morreu no dia 5 de fevereiro de 1989, e de Winfried Freudenger, de 32, morto no dia 8 de março de 1989 na queda de um balão de gás de fabricação caseira.
Memórias
Em várias regiões, ruas e praças de Berlim há cartazes, murais e placas com a história do muro e da extinta RDA. Páginas da revista Stern com a memória da propaganda oficial da RDA e a afirmação de que o muro protegia o povo contra o imperialismo capitalista foram ampliadas e estão expostas na Stresemann Strasse, perto da Postdamer Platz. Televisões exibem, há semanas, documentários e reportagens sobre tentativas de fuga do lado oriental, sobre fugas bem sucedidas e sobre os dramas vividos por famílias separadas pelo muro.
O jornal Frankfurter Allgemeine do último domingo revelou, por exemplo, os preparativos finais no dia 12 de agosto mantidos em absoluto segredo para o início da construção do muro e da colocação de cercas de arame farpado para dividir a cidade. Trabalho de um Estado-Maior, integrado, entre outros, por Erich Mielke (1907-2000), que comandava o Ministério da Segurança (nome oficial da Stasi), e por Erich Honecker, da Defesa.
Neste sábado, por ocasião do 50.º aniversário do fechamento da fronteira entre as duas Alemanhas, o destaque é a homenagem que será feita, na Bernauer Strasse, pelo presidente alemão, Christian Wulff, e pela chanceler Angela Merkel no monumento em lembrança às pessoas que perderam a vida ao tentar atravessar o muro.




