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Jornalistas de música às vezes deveriam ganhar adicional de insalubridade. Primeiro, por serem obrigados a ouvir as pilhas e pilhas de CDs ruins que chegam todos os dias às redações. Depois, pela paciência extrema ao lidar com os artistas – sejam eles grandes nomes ou figuras emergentes. É brincadeira, claro. Mas o novo livro de Zeca Camargo, sobre os bastidores de seus encontros com astros do pop, comprova: os detalhes que cercam uma entrevista são muito mais interessantes do que o papo em si.

Editor-chefe, repórter e apresentador do Fantástico, Camargo, de 43 anos, já viajou pelo planeta inteiro atrás de pautas. Seu primeiro livro, A Fantástica Volta ao Mundo, inspirado em um dos quadros do programa, tratava exatamente de sua faceta "viajante". Agora, ele se volta ao universo da música pop – seu xodó desde o início da carreira, no jornal Folha de São Paulo, e no qual se especializou nos primeiros tempos da MTV Brasil. Ávido pesquisador, daqueles que podem passar horas em uma loja de discos, o jornalista gosta mesmo é de uma boa canção pop. Quanto mais simples, direta e ganchuda, melhor.

Sendo assim, não há brechas para cabecismos ou divagações em De A-ha a U2 – Os Bastidores das Entrevistas do Mundo da Música (Editora Globo, 474 págs., R$ 32). Ao contrário, trata-se de um livro leve e divertido, escrito com uma única preocupação aparente: alcançar até mesmo os leitores que não estão familiarizados com o linguajar muitas vezes cifrado da cultura pop. De quebra, a cada uma ou duas páginas, Camargo brinda os leitores com suas descobertas musicais, algumas para lá de inusitadas. São as sessões "Top 5" e "Perdido em Música", nas quais o autor revela suas canções prediletas e narra "garimpagens" feitas em lojas especializadas dos quatro cantos do globo. O resultado é um guia eclético, que inclui do rap à música indiana, e cujo único critério é a memória afetiva.

Organizados em ordem alfabética, como indica o título do livro, os 53 relatos sobre os bastidores de entrevistas ajudam a desmistificar o dia-a-dia do jornalismo musical. Repórteres de grandes veículos, como no caso de Camargo, realmente viajam muito, o tempo todo. Mas podem passar horas sentados, à toa, apenas esperando a boa vontade dos artistas. Courtney Love, por exemplo, a agressiva líder do grupo Hole, deu-lhe um chá de cadeira de nove horas! E a conversa, como o próprio jornalista confessa, não foi lá essas coisas.

É óbvio que qualquer um gostaria de fazer uma viagem "bate e volta" ao Japão apenas para entrevistar por alguns minutos a cantora Björk (da qual Camargo é um admirador apaixonado, e não faz a mínima questão de esconder isso no livro). O impressionante, no entanto, é a máquina que cerca os artistas, composta por empresários, produtores e toda a sorte de assistentes. Como o personal chef de Lenny Kravitz, um misto de "nutricionista, conselheiro, provador e cozinheiro", como define o autor e testemunha ocular de dezenas de chiliques envolvendo celebridades.

Toda essa gente trabalha com um único propósito, às vezes esquecido pelos fãs mais alienados: vender discos e ingressos de shows. E se estamos falando da indústria cultural, não é absurdo pensar que uma tarde de entrevistas com jornalistas de todo o mundo pode transcorrer como uma linha de montagem. Perguntas repetidas, respostas automáticas.

Quem?

Entre megastars do porte de George Michael, Moby, Britney Spears, Mick Jagger e Kurt Cobain, também há espaço para brasileiros em De A-ha a U2. Mais especificamente, Caetano Veloso, Rita Lee, Titãs, Skank, Marisa Monte, Renato Russo e Cazuza. Este último, num furo de reportagem, usou a entrevista para anunciar, pela primeira vez, sua condição de portador do vírus HIV. Mas nenhum capítulo do livro revela tanto sobre a imprensa cultural brazuca quanto o destinado a John Lurie. Quem?

O próprio Camargo deixa claro que não se trata de um demérito não conhecê-lo. Ator e líder da banda de jazz Lounge Lizards, Lurie era conhecido apenas por uma meia dúzia de "alternativos" no fim dos anos 80. Veio ao Brasil para participar de um festival de música e, dali a pouco tempo, estaria nas telas em A Última Tentação de Cristo, do cineasta Martin Scorsese – numa ponta, diga-se. No máximo, poderia ser classificado como uma figura cult de Nova Iorque (e quantas dessas não existem por lá?).

O fato é que qualquer Zé Mané estrangeiro chega aqui e vira assunto. Tanto que, quando voltou para casa, Lurie escreveu um artigo sarcástico, para uma revista local, intitulado "Eu fui um superstar no Brasil por duas semanas". E com direito à citação da entrevista concedida a Camargo para a Folha de São Paulo! Se você ainda leva a sério o circo montado em torno de seu artista preferido, melhor repensar seus conceitos.

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