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Sharon Tate e Polanski, em cena de A Dança dos Vampiros: atriz era esposa do diretor quando foi assassinada em 1969 | Divulgação
Sharon Tate e Polanski, em cena de A Dança dos Vampiros: atriz era esposa do diretor quando foi assassinada em 1969| Foto: Divulgação
  • No set de O Bebê de Rosemary, com Mia Farrow e Maurice Evans
  • Roman Polanski contracena com Jack Nicholson em Chinatown: obra-prima
  • O diretor durante as filmagens de Busca Frenética, em Paris

O diretor franco-polonês Roman Polanski estava cumprindo pena provisória em uma penitenciária na cidade de Chino, na Califórnia, em 1977, quando recebeu, pela segunda vez em poucas semanas, uma visita do ator Dean Jones, que havia sido um dos candidatos ao papel masculino principal do clássico O Bebê de Rosemary (1968). Recém-convertido ao cristianismo, o astro, que fazia sucesso na série de filmes iniciada com Se Meu Fusca Falasse (1968), dos Estúdios Disney, tentava levar conforto ao cineasta, que aguardava uma decisão da Justiça em relação ao caso no qual era acusado de estuprar a adolescente Samantha Gailey, de apenas 13 anos.

Polanski e Jones já conversavam há uns 20 minutos, quando o ator lhe fez uma pergunta aparentemente simples, porém desconcertante: "Roman, você fez tantos filmes frios. Sem forçar a mão, acha que seria capaz um dia fazer algo quente e positivo?". O diretor, que até então parecia relaxado e bem-humorado, ficou em silêncio. Até, finalmente, responder: "Não. Eu vivo na escuridão há muito tempo".

Esse relato de certa forma sintetiza o personagem central de Polanski – Uma Vida, biografia assinada pelo jornalista Christopher Sanderson que acaba de ser lançada no Brasil pela editora Nova Fronteira. A orelha do livro informa que a especialidade do autor norte-americano é cultura pop, e não cinema, e que tem em seu currículo livros sobre Kurt Cobain, David Bowie e Paul McCartney. Esse dado faz sentido. Ao longo de boa parte de sua vida, escreve o biógrafo, o cineasta, do alto de seu 1m60 de altura, se comportou como um rock star.

Vaidoso e dono de uma personalidade exuberante, quando não exibicionista, Polanski, como revelou em sua conversa com o ator Dean Jones, utilizava essa fachada excêntrica e efusiva para disfarçar a profunda angústia que o acompanhou desde a infância – apenas agravada pela sucessão de acontecimentos trágicos e críticos que pontuaram sua jornada pessoal. E, segundo o relato de Sanderson, toda a sua filmografia, em grande medida, reflete essas experiências. Como ele mesmo admite, nunca fez, ou dificilmente realizará, um filme "quente e positivo".

Como toda biografia, por maior que seja o esforço do autor, Polanski – Uma Vida padece do mal de tentar, ao longo de 400 e tantas páginas de texto, dar conta da vastidão e da complexidade de décadas de existência. Sanderson busca, em um recurso quase inevitável quando se escreve a respeito de um artista, traçar paralelos entre tudo que passou e a sua obra. No caso do diretor, nascido em Paris de pais poloneses, essa aproximação parece mesmo fazer sentido.

Segunda Guerra Mundial

Ainda na infância, durante a Segunda Guerra Mundial, Polanski testemunhou e vivenciou a perseguição nazista aos judeus. Ele insiste em afirmar, tanto em sua autobiografia (Roman by Polanski, de 1985) quanto nas várias entrevistas que concedeu ao longo de sua carreira, que não tinha consciência da dimensão trágica do que o cercava quando menino. Não julgava sua vida especialmente triste enquanto crescia.

Depois de ter vivido no gueto judaico em Cracóvia, na Polônia, para onde seus pais haviam retornado após seu nascimento, Roman passou a segunda parte da infância e início da adolescência sozinho, escondido no interior do país. Fingiu ser católico para escapar do mesmo fim de sua mãe, Bula, enviada ao campo de concentração em Auschwitz e morta pouco tempo depois porque estava grávida, condição que a tornava inútil naquelas duras circunstâncias. O pai, Ryzard, também preso pelos nazistas, sobreviveu, mas Polanski só o reencontrou após a liberação do país pelas tropas soviéticas.

Quem assistiu a O Pianista (2002), filme que finalmente lhe deu o merecido e longamente aguardado Oscar de melhor direção, vai encontrar inúmeros elos entre sua história (e tudo que presenciou) e a do músico polonês judeu Wladyslaw Szpilman, que conseguiu sobreviver ao Holocausto ao se manter por um longo período em um esconderijo, enfrentando, como Polanski, fome, humilhações e profunda solidão.

Aqui vale ressaltar outra coincidência macrabra. Em 1969, a mulher de Polanski, a atriz texana Sharon Tate, foi morta em uma chacina cometida pela gangue do maníaco Charles Manson. O crime é descrito em detalhes por Sandford. Como Bula, Sharon também esperava um bebê.

Bastidores

Se o livro não chega a trazer grandes revelações sobre a vida do diretor, uma vez que ele mesmo assinou um livro de memórias e outras biografias dele já foram publicadas, Polanski – Uma Vida tem o grande mérito de esmiuçar os bastidores de sua carreira conturbada e única. Dedicando muitas páginas ao processo de preparação, filmagem, pós-produção e lançamento de cada um de seus trabalhos, em curta ou longa-metragem, desde seus tempos de estudante na escola de cinema de Lodz até Oliver Twist (2005).

Como foi originalmente publicada em 2007, a biografia de Sanderson não fala de O Escritor Fantasma (2010) ou de Carnage (2011), que foi exibido no Festival de Veneza deste ano. Também não conta como o diretor acabou sendo preso, quando a convite do Festival de Cinema de Zurique para receber um prêmio pela sua carreira cinematográfica. Nessa ocasião, foi detido sob a alegação de que um mandado internacional de prisão contra ele estava em vigor, devido à condenação de 1977, nos Estados Unidos. Só seria libertado pela autoridades helvéticas em julho de 2010. Esse período fica por conta do posfácio "O Fantasma da Liberdade", assinado pelo escritor e jornalista curitibano Roberto Muggiati, tradutor de Polanski – Uma Vida.

É interessante, sobretudo para os leitores da nova geração, saber como Polanski, desacreditado em Lodz e malvisto pelos críticos da Polônia, por ter uma visão muito burguesa e pouco revolucionária do mundo para os padrões socialistas, deixou o país na década de 1960. Primeiro para conquistar a Europa, com filmes inovadores e provocativos como Repulsa ao Sexo (1965), thriller psicológico estrelado por Catherine Deneuve, e Armadilha do Destino (1966), original mistura de drama, erotismo e comédia do absurdo. E, depois, Hollywood, com obras que conseguiram ser, ao mesmo tempo, sucessos de bilheteria e divisores de águas estéticos, como O Bebê de Rosemary e Chinatown (1974)

Polanski parecia estar destinado a ser tornar, ao lado de Francis Ford Coppola e Martin Scorsese, um dos reis de sua geração no cinema norte-americano não fosse o seu envolvimento com Samantha Gailey. Por conta do processo, que poderia resultar em uma condenação a 50 anos de prisão e descrito nos mínimos detalhes pelo livro de Sanderson, o diretor teve de sair fugido dos Estados Unidos, onde nunca mais pôde pisar, sob o risco de voltar para a cadeia.

Pesquisa

Como se recusou a conversar com Sanderson, o biógrafo fez um extenso trabalho de pesquisa tanto dos livros já publicados sobre o diretor quanto de todas as suas declarações à imprensa. Também ouviu vários amigos e colaboradores, o que lhe permitiu traçar um painel relativamente problematizado sobre o cineasta, embora o livro se perca um pouco em certo excesso de detalhes frívolos sobre a vida pessoal de Polanski. GGG

Serviço

Polanski – Uma Vida, de Christopher Sanderson. Tradução de Roberto Muggiati. Nova Fronteira, R$ 488 págs., R$ 59,90.

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