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 | Ilustrações: Osvalter Urbinati
| Foto: Ilustrações: Osvalter Urbinati

Prosa bonita em meio ao caos

Eu não traduzi Contra o Dia, o romance mais recente de Thomas Pynchon. Mais ainda, eu já escrevi sobre ele aqui mesmo na Gazeta, lá em 2007.

Depois disso eu traduzi o romance seguinte dele, Vício Inerente, e também escrevi sobre o livro aqui na Gazeta.

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No próximo dia 8 de maio, um dos maiores nomes da literatura americana completa 75 anos. Thomas Pynchon, nascido em 1937 publicou seu primeiro livro, intitulado V., na década de 60, quando tinha 25 anos, e desde então lançou outros cinco romances e uma coletânea de contos. A produção pode parecer pequena, mas não tanto se considerarmos o absurdo volume de seus livros: Mason & Dixon, publicado em 1997, tem 848 páginas na edição brasileira; O Arco-Íris da Gravidade, vencedor do National Book Award na categoria ficção em 1974, tem 792; e Contra o Dia, romance de 2006 recentemente editado pela primeira vez no Brasil, é composto de inacreditáveis 1.088 páginas. Os assuntos são os mais variados: desde a divisão de terras nos Estados Unidos do século 17 até a psicodelia das bandas de surf music dos anos 70, passando por jovens aventureiros que cruzam o mundo em um dirigível realizando missões. A temática rica e o estilo literário excepcional colocaram Pynchon num panteão de honra entre os escritores pós-modernos, canonizado pelo crítico literário Harold Bloom como um dos quatro autores americanos fundamentais do século 20, junto com Cormac McCarthy, Don DeLillo e Philip Roth.

Pynchon, entretanto, comumente recebe a maior parte de sua atenção editorial e midiática por sua maior peculiaridade, referente à sua persona. Recluso e anônimo, negando toda oferta de entrevista e oportunidade de fotografia, e comunicando-se com algumas poucas pessoas apenas por fax (cujo papel dura pouco e cuja interceptação é praticamente impossível), pouco se sabe sobre sua residência e sua vida pessoal, ainda que se permita raras aparições, como a gravação de sua voz em um episódio de Os Simpsons e de um teaser de seu mais novo romance, Vício Inerente, publicado no Brasil em 2010.

Conhecem-se apenas alguns fatos. Nascido em Long Island, o escritor sem rosto estudou engenharia aeronáutica na Universidade de Cornell, deixando o curso ao ser convocado pela Marinha. Nas Forças Armadas tirou as fotos que até hoje são divulgadas como as únicas do autor (a Marinha forneceu outros materiais para seus livros). Quando voltou do serviço militar, trocou seus estudos para inglês em Cornell e teve aulas com o escritor Vladimir Nabokov, autor de Lolita. Após um curto período trabalhando com escrita técnica, entrou para o mundo da ficção e desapareceu por completo.

Se por um lado faltam informações a seu respeito, por outro sobram especulações e teorias levemente delirantes sobre Thomas Pynchon. A mais inusitada afirma que o escritor seria o novo nome adotado por Jim Morrison (1943-1971), vocalista da banda californiana The Doors, vivo e oculto sob outra identidade — afinal, ambos parecem ter os mesmos interesses em física, ocultismo, matemática e cultura pop. Outros afirmam ser Bob Dylan ou ainda o terrorista Unabomber o homem por trás da figura misteriosa de Pynchon, e por aí vai.

Silêncio midiático

O culto a sua personalidade acaba sendo um magnífico diferencial na literatura contemporânea, mesmo entre notórios reclusos, como J. D. Salinger, de O Apanhador no Campo de Centeio, J. M. Coetzee, prêmio Nobel sul-africano, e os nacionais Dalton Trevisan e Rubem Fonseca. Este último, aliás, é amigo de Pynchon. Para Fonseca, ele escreveu o prefácio da edição americana da coletânea de contos O Cobrador. Não é de todo raro encontrar nos Estados Unidos e em outros países grupos de leitores devotos de Pynchon, reunidos para dissecar cada linha da obra do escritor e verificar seus mecanismos ocultos.

O editor e escritor gaúcho Antônio Xerxenesky é um desses leitores aficionados pela obra do escritor, já tendo lido todos os seus livros, incluindo a coletânea de contos Slow Learner, cuja introdução contém as poucas informações oficiais disponíveis sobre sua infância e juventude. Para Xerxenesky, Pynchon ganha pouco se expondo: "A obra dele ganha muito com esse silêncio midiático, com referências obscuras, e perderia a graça se ele precisasse vir a público toda vez se explicar. Certamente, não haveriam leitores reunindo-se ao redor de seus livros se fosse assim". Embora sua figura anônima seja fascinante, o editor afirma que ela não se sustentaria sem a qualidade excepcional do texto. "A gente fica curioso para descobrir quem é a mente doentia que criou esses universos tão fenomenais, e não podemos, e a graça está nisso."

O editor de Pynchon no Brasil, André Conti, da Companhia das Letras, nunca entrou em contato com o escritor, tratando tudo com seus tradutores (leia mais na matéria ao lado) e agentes. Para ele, a obscuridade da persona do autor de Contra o Dia é condizente com o universo criado por ele. "Se há algo em comum às obras do Pynchon é o fato de tudo ser permeado por um clima de desconfiança, paranoia sobre entidades conspiratórias. E nada melhor para falar sobre isso do que um autor recluso, igualmente desconfiado. É como se ele vivesse dentro daquilo, e os leitores se empolgam em suas vocações detetivescas para tentar descobrir não só significados ocultos em seus livros mas também qualquer informação sobre sua figura". Sobre sua reclsuão, Conti conclui com um conhecido clichê literário que não poderia ser melhor aplicado a Pynchon: "O livro precisa falar por si só".

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