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No que parece uma sincronia tétrica, Michelangelo Antonioni (1912 – 2007) morreu na segunda-feira, horas depois de Ingmar Bergman (1918 – 2007). Em um mesmo dia, duas baixas das quais o cinema não deve se recuperar nunca.

"Qualquer pessoa que goste de cinema, não pode ignorar Antonioni", diz Paulo Biscaia, dramaturgo e diretor teatral que não hesita em apontar qual é o seu favorito em meio à filmografia do mestre italiano: Blow-Up – Depois Daquele Beijo (1966). "Trata-se de uma obra que só é possível naquele meio (o filme) e em nenhum outro. Ele não queria apenas contar uma história, mas sim contá-la cinematograficamente." Para Biscaia, o maior legado de Antonioni tem a ver com o modo como procurou pensar o cinema ao longo de sua carreira.

O jornal La Repubblica publicou que a morte de um dos diretores mais importantes da Itália, premiado em todos os principais festivais do planeta e dono de um Oscar honorário pelo conjunto de sua obra, concedido em 1995, marca o fim de um estilo único. Em sua visão poética, "emerge a incomunicabilidade entre as pessoas, a insuficiência da palavra, a solidão. E então, por contraste, o poder do olhar, a perfeição da imagem", afirmou o diário italiano.

Fábio Pinheiro, professor de cinema do Studio Botteri, admira "a coragem que ele teve de trazer para o cinema o drama do homem contemporâneo, ligado à solidão e à incapacidade de entender o próximo". Antonioni conseguiu pegar esses temas e transformá-los em "imagens belíssimas". "Isso requer um talento superior", diz Pinheiro.

A palavra que parece definir melhor a filmografia do italiano é "incomunicabilidade". Tanto que ela dá nome à sua famosa trilogia, formada por A Aventura (1960), A Noite (1961) e O Eclipse (1962). O primeiro marcou a colaboração com a atriz Monica Vitti (hoje com 75 anos) e causou furor no Festival de Cannes de 1960 em uma sessão que foi definida pelo The Guardian como "uma das mais barulhentas e desconfortáveis" da história do evento. Parte do público vaiava indignado por não entender o que via na tela.

Uma das marcas do diretor é a de permanecer com seus personagens mesmo quando eles não parecem fazer nada importante. Ou nada convencionalmente importante.

"Antonioni foi contra a espetacularização do cinema, que parece cada vez mais uma tendência, e se dispôs a olhar para a solidão humana. Suas abordagens são muito poéticas e muito honestas", diz Pinheiro. E há ainda o fato de ter investido em um cinema autoral, com equivalentes em Federico Fellini, Jean-Luc Godard e Ingmar Bergman. "É muito triste dois artistas que falavam sobre o ser humano morrerem em um mesmo dia", lamenta o professor.

"Ele encontrou metáforas que iluminam os lugares silenciosos dos nossos corações e encontrou também, neles, uma beleza estranha e terrível", disse Jack Nicholson antes de entregar o Oscar honorário a Antonioni, com quem trabalhou em Passageiro – Profissão: Repórter.

Demian Garcia é compositor de trilhas para o cinema e reconhece que o silêncio, como o utilizava Antonioni, pode ser mais contundente que uma música e, por vezes, mais difícil de ser trabalhado. "Os filmes dele tinham um ritmo peculiar e acabaram criando uma linguagem própria, sem compromisso com escola alguma", afirma Garcia, que exalta ainda a qualidade técnica de produções como as de sua famosa trilogia, usando a filmagem e a edição para criar "pulsações" próprias para cada um de seus personagens.

Antonioni morreu em Roma na segunda-feira, assistido pela mulher, Enrica Fico, e deve ser enterrado amanhã na cidade onde nasceu, Ferrara, no norte da Itália.

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