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Taxista depilou o corpo inteiro e fez uma tatuagem para ganhar o fusca | Gazeta do Povo
Taxista depilou o corpo inteiro e fez uma tatuagem para ganhar o fusca| Foto: Gazeta do Povo

Conta o escritor e crítico literário Affonso Romano de Sant’Anna, autor de Drummond, o Gauche no Tempo, que horas antes de morrer, o poeta Carlos Drummond de Andrade estava no leito do hospital, ainda meio lúcido, quando um de seus netos se aproximou. Com o objetivo de transmitir um sopro de ânimo para o avô moribundo, disse que aquilo tudo iria passar e que logo o poeta estaria novamente em sua casa. Com a ironia que se tornou sua marca registrada, Drummond levantou o braço e fez uma banana para a frase do neto. Morreria horas depois.

Poeta dos conflitos, do rigor, das feridas abertas e de tantas outras coisas, Drummond é dono de uma extensa obra capaz de carregar por si só o peso de uma longa tradição poética. Vinte anos após a sua morte, lembrada no dia 17 de agosto, percebe-se que o poeta se equivocou em sua última entrevista, ao jornalista Geneton Moraes Neto. Na ocasião, afirmou: "Não tenho a menor pretensão de ser eterno. Pelo contrário: tenho a impressão de que daqui a 20 anos eu já estarei no Cemitério de São João Baptista. Ninguém vai falar de mim, graças a Deus."

Mas se fala. "Drummond conseguiu sintetizar toda a história da lírica brasileira que o precedeu, de forma a ser um divisor de águas na literatura e na cultura brasileira no século 20. "Contar a história do país sem citar seu nome é certamente esconder boa parte do melhor de nossa história", lembra o poeta Alexandre Pilati, autor de uma tese de doutorado sobre Drummond na UnB (DF).

Tamanha é sua força no imaginário brasileiro que alguns de seus versos adquiriram vida própria, transcendendo (e, talvez, distorcendo) a própria obra. "No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho" reafirmam, a cada instante, a atualidade do poeta nascido em Itabira (Minas Gerais), em 1901. Filho da união de duas tradicionais famílias mineiras, Drummond revisitaria em seus poemas a infância passada em Itabira. "Tive ouro, tive gado, tive fazendas. / Hoje sou funcionário público. / Itabira é apenas uma fotografia na parede. / Mas como dói!".

"Seu ‘país’ é sobretudo Minas, Itabira, de onde carregou para a vida moderna no Rio marcas culturais muito fundas. Sua formação católica briga com seu ateísmo, sua família patriarcal é lembrada ao mesmo tempo com nostalgia e resistência", explica Alcides Villaça, professor de Literatura na USP. Conflitos que permeariam sua poética, com a cisma, certa insegurança e ironia nos versos, como se uma pedra, sempre ela, realmente estivesse o tempo todo em seu caminho.

"A principal característica da poesia de Drummond é a alternância entre ‘individualismo’ e o homem no mundo. Em alguns poemas, Drummond olha apenas para dentro de si, alheio à tudo que acontece ao seu redor. Em outros, coloca o homem como ser necessariamente ativo nas mudanças sociais; essas poesias são marcadas pelo inconformismo do poeta diante do mundo", esclarece a professora de Literatura Brasileira da UFPR, Raquel Illescas Bueno.

Assim, a poesia de Drummond pode ser situada no meio termo entre o lirismo exacerbado de Manuel Bandeira e Vinícius de Morais ("o único poeta que viveu como poeta", segundo o itabirano) e a rigidez seca, quase brusca, de João Cabral de Melo Neto. Uma posição que não deixou herdeiros, embora alguns estudiosos apontem Ferreira Gullar como o mais "drummondiano" dos nossos poetas.

Para Alexandre Pilati, Drummond é o poeta do Brasil moderno, "ao mesmo tempo que é o cantor de um país que não aconteceu plenamente".

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