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Os cem anos de Marshall McLuhan

O profeta da comunicação

Mestre no uso das palavras e de imagens de compreensão instantânea, o filósofo e professor canadense criou, nos anos 60, o conceito de “aldeia global” e previu o advento da internet

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Quando Herbert Marshall McLuhan nasceu, em 21 de julho de 1911, em Edmonton, no meio da pradaria canadense, o mundo ainda não possuía as ferramentas de comunicação que ele iria analisar tão brilhantemente. Quando morreu, aos 69 anos, em 31 de dezembro de 1980, o mundo já estava cansado de ser a "aldeia global" que McLuhan descrevera em 1962. Nesse mesmo ano ele já previa a internet: "Um computador como instrumento de comunicação poderia realçar a recuperação, obsolescer a organização maciça das bibliotecas, estender a função enciclopédica do indivíduo e reverter a uma linha privada de dados velozmente costurados e de natureza vendável." As palavras em itálico fazem parte do conceito da tétrade de McLuhan. O polêmico professor não era um filósofo tão pop como o pintam. Em contrapartida, apesar da formação acadêmica, estava longe de ser "careta". McLuhan era um mestre no uso das palavras e em criar imagens de compreensão instantânea. Foi ele quem inventou e popularizou o uso do termo "surfar" para descrever um movimento rápido, irregular e multidirecional através de um corpo heterogêneo de documentos ou de conhecimentos, como em sua frase "Heidegger surfa a onda eletrônica tão triunfalmente como Descartes viajava na onda mecânica".

É dele o famoso lema do psicodelismo, atribuído a Timothy Leary: "Turn on, tune in, drop out./Se ligue, entre na onda, caia fora." Só em 1988 Leary admitiu que McLuhan lhe deu de bandeja o slogan durante um almoço em Nova York, nos anos 60. Profundo conhecedor e professor de literatura, ele também era, como Shakespeare e Joyce, adepto de trocadilhos cultos, como no título de seu best seller The Medium Is the Massage — massage com os significados múltiplos de "massagem", "mensagem" e "era da massa".

Os três Ms que fizeram a cabeça dos jovens rebeldes — Marx, Marcuse e McLuhan — foram chamados de o "McDonald’s espiritual dos anos 1960". Em contraste com as vibrantes aventuras culturais que viveu e desencadeou, McLuhan teve uma vida pacata em meio a escolas, universidades, palestras e simpósios. Com pai metodista e mãe batista, na juventude escolheu o agnosticismo e refugiou-se na literatura. Seria também sua ocupação principal, como professor de literatura inglesa, depois de se formar na Inglaterra pela Universidade de Cambridge. Foi lá que se converteu à Igreja Católica Romana e passaria o resto da vida ensinando em instituições católicas. Embora considerasse a religião uma questão de foro íntimo, McLuhan admitiu certa vez que tinha na Virgem Maria um guia espiritual. Aos 18 anos, casou-se com a professora e aspirante a atriz Corinne Lewis, com quem teve seis filhos: dois homens (o primogênito e o caçula) e quatro mulheres, incluindo gêmeas.

Nos anos 1950, McLuhan iniciou seus seminários de Comunicação e Cultura na Universidade de Toronto e sua reputação ensejou convites de outras universidades, mas a de Toronto garantiu sua permanência criando para ele um Centro para Cultura e Tecnologia em 1963. Em 1951, publicou seu primeiro livro, A Noiva Mecânica, um exame do efeito da publicidade sobre a sociedade e a cultura.

Foi a partir de 1962, com A Galáxia de Gutenberg, que McLuhan iniciou a publicação da série de livros que o faria famoso: Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem (1964), em que divide os meios de comunicação em "quentes" e "frios"; O Meio É a Mensagem (1967); Guerra e Paz na Aldeia Global (1968), inspirado pelo Finnegans Wake, de James Joyce; e Do Clichê ao Arquétipo (1970) — os três últimos repletos de fotos, ilustrações, manchetes e legendas, mimetizando a linguagem jornalística para facilitar a compreensão e atrair o grande público.

As despesas com a grande família o levaram a trabalhar em publicidade e aceitar frequentes convites para dar consultorias e palestras a grandes corporações, como a IBM e a AT&T. No final dos anos 1970, a Universidade de Toronto tentou fechar seu centro de pesquisas, mas recuou devido a protestos maciços, um deles feito por Woody Allen no filme ga­­nhador do Oscar Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977). Numa fila de cinema em Manhattan, um acadêmico chato discute com Woody as teorias de McLuhan. De repente, o próprio McLuhan entra em cena e diz ao chato: "Você não entende nada da minha obra!" Era a frase clássica com que costumava rechaçar aqueles que discordavam dele.

Em setembro de 1979, Mc­­Luhan sofreu um derrame que afetou sua capacidade de falar, ler e escrever. Nunca mais se recuperou e morreu enquanto dormia, nas primeiras horas de 31 de dezembro de 1980.

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