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Em Happy Hour, Juca de Oliveira bate-papo sobre política com o público | Divulgação
Em Happy Hour, Juca de Oliveira bate-papo sobre política com o público| Foto: Divulgação

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Conhecido por seu trabalho teatral voltado a temas políticos, o ator Juca de Oliveira retorna aos palcos de Curitiba com Happy Hour, espetáculo no qual expõe reflexões políticas, como sua decepção com o governo atual. "Eu acho o PT a maior decepção que o Brasil já teve", disse em entrevista por telefone à Gazeta do Povo. A peça está em cartaz no Teatro Fernanda Montenegro, com apresentações nesta sexta (23), sábado (24) e domingo (25).

Em Happy Hour, Juca de Oliveira aparece pela primeira vez sem interpretar um personagem, no chamado "espetáculo solo". Juca explica que diferente de um monólogo, nesse tipo de peça o ator não tem um papel ficcional com um texto escrito por outra pessoa. "No solo é o autor falando coisas que ele mesmo criou. Sou eu o tempo todo", disse.

Juca ainda assume que falar o que pensa, sozinho no palco, foi sua maior dificuldade ao produzir a peça. "Era minha primeira vez nesse tipo de peça. A cortina ia abrir e eu estaria ali, sozinho, em frente a uma plateia enorme, sem saber o que ia acontecer".

Como em uma mesa de bar, a conversa com o público segue franca e descontraída, como um verdadeiro bate-papo com os amigos. O texto também é aberto para modificações a qualquer momento. "Os políticos são de uma criatividade voluptuosa. O que acontece vai sendo atualizado."

Sobre a parceria com Jô Soares – ator e diretor também fizeram Às Favas Com os Escrúpulos -, Juca afirma que vem de uma amizade de muitos anos e que tem uma grande admiração pelo diretor. "Felizmente o Jô está sendo resgatado para o teatro. Ele é um dos melhores", disse.

Confira a entrevista completa:

O texto de Happy Hour é seu. De onde veio a ideia? É uma inquietação sua com relação à política?

Às vezes, faço algumas anotações e escrevo essas reflexões sempre tendo em vista que algum tema possa ser utilizado em alguma peça. Uma dessas anotações caiu nas mãos do Jô que perguntou se eu tinha mais. Ele pediu para eu escolher alguns desses textos para fazermos um espetáculo. O Jô tem uma espécie de espaço cultural, onde nós ensaiamos e fazemos leituras. Fizemos uma leitura para alguns amigos, como Maria Adelaide Amaral, Jandira Martini e Irene Ravache, que gostaram, e montamos esse espetáculo "solo", que é diferente de monólogo, porque em um monólogo é um personagem de ficção que fala algo que foi escrito para ele. No "solo" é o autor falando coisas que ele mesmo criou. Sou eu o tempo todo.

O que foi mais difícil na produção da peça?

Mais difícil mesmo foi o fato de que pela primeira vez eu ia subir ao palco sozinho, falando coisas minhas. Eu não sabia nada do que ia acontecer. A cortina ia abrir e eu estaria ali, sozinho, em frente a uma platéia enorme, sem saber o que ia acontecer. Era uma aflição muito grande, porque eu não tinha idéia de como as pessoas iam receber tudo aquilo, porque não tem um critério. Eu estudo a técnica há mais de 50 anos, e quando você escreve com os critérios da técnica, você sabe que o espetáculo deve funcionar corretamente dentro das leis da construção que você conhece. Mas eu não sabia nada. Era minha primeira vez nesse tipo de peça. As pessoas poderiam gostar ou não, poderiam sair do teatro. Mas isso foi no começo, agora a sensação é de enorme satisfação. A reação do público foi deslumbrantemente boa, porque eu tenho a presunção de ter conseguido expor essa desesperança que bate em mim e que bate em todos também. Eu recebo várias pessoas que agradecem e dizem "obrigada, você disse o que eu queria dizer".

Você começa o espetáculo muito contente por não precisar mais votar depois dos 70 anos. Você ainda vota?

Voto, claro que eu voto. Isso é só uma brincadeira.

Você define Happy Hour como um "bate-papo" com a plateia. Como funciona esse bate papo?

A ideia é exatamente essa. Recentemente eu me dei conta que eu passo a maior parte do tempo na companhia do público, mais do que com a minha própria família. E eu nunca tinha tido a oportunidade de conversar com o público e dizer as coisas que eu digo. E o happy hour, por exemplo, que é onde você se encontra para tomar uma pinga e conversar com os amigos.

Depois de Às Favas Com Os Escrúpulos, mais um espetáculo dirigido por Jô Soares. Como é essa parceria?

Eu sou amigo do Jô há muito tempo, desde 1961. Chegamos a escrever um roteiro para novela, embora não tenhamos levado até o fim... Felizmente o Jô está sendo resgatado para o teatro. Ele é um dos melhores diretores. Tem várias obras primas, como Ricardo III e A Cabra Ou Quem É Sylvia. E é uma enorme satisfação trabalhar no Happy Hour.

Como transformar um assunto que muita gente evita em um tema engraçado?

Não é muito difícil por uma razão bem simples. A poética de Aristóteles, nos ensinamentos de como se produzir um espetáculo, dizia que tragédia é a história de um homem tão integro e virtuoso que prefere morrer a viver sem honra. O herói trágico prefere se matar, como o Édipo. Já a comédia é o oposto, é um homem vicioso, cheio de defeitos, que prefere viver numa boa com dinheiro no bolso, mesmo que seja dinheiro roubado, e que se dane a honra. Então quando você pega um pilantra, é tudo engraçado. Ele escolhe ser um personagem de comédia. São tão pilantras e sem ética que fica engraçado. Eu não escrevo comédia, eu escrevo simplesmente a realidade, mas a realidade é tão absurda que fica engraçado.

O texto é fixo ou a cada novo escândalo político é possível acrescentar algo na peça?

Os políticos são de uma criatividade voluptuosa. Todos os dias criam novos factóides políticos. O que acontece vai sendo atualizado. Sempre tem alguma coisa nova.

Teve alguma adaptação na peça especialmente para Curitiba ou texto tem uma abrangência nacional?

É nacional. A peça é igual em todo o Brasil. Quando tem alguma coisa grande, muito visível dá pra acrescentar, como foi em Porto Alegre, que citamos a fazenda de Bento Gonçalves como o lugar para o MST construir. Mas de uma maneira geral não muda de cidade para cidade.

O que mais te aborrece na política hoje?

O que mais me irrita é a falta de caráter, de integridade, a corrupção, a falta de ética. Talvez tenhamos chegado ao limite máximo nesse País. As pessoas anunciam que estamos no fundo do poço, mas não chegamos. Inventam todos os dias uma novidade e a coisa vai piorando. A absolvição de corruptos, do Sarney, a hegemonia do Renan Calheiros no Congresso... Sobretudo uma coisa que me incomoda muito atualmente é que não há um sistema presidencialista que se caracteriza pela harmonia, só há um poder, o executivo. Nós não temos um sistema, temos uma monarquia absolutista. E isso é gravíssimo, essas coisas são trágicas. A corrupção aumenta em todos os setores da vida pública. O dirigente político, por exemplo, o presidente deve ser um modelo, um paradigma, uma referência para todos os cidadãos. Péricles estabeleceu a república grega e os nove governos foram contaminados pela sua virtude. Tinham um grande orgulho daquele chefe que era um homem honrado. Nós não temos isso aqui. Às vezes até me parece que a ética é uma coisa indesejada, mas a ética é condição fundamental para que você continue sobrevivendo. O respeito, o amor, a solidariedade, tudo vêm da ética. Quando não há ética é uma guerra.

Você foi de esquerda por um tempo e na peça você fala sobre o PT. Como você avalia a situação do PT hoje?

Eu acho o PT a maior decepção que o Brasil já teve. Todos nós depositamos esperanças na ascensão do Lula, um operário, sindicalista, trabalhador, simples, inteligente, grande negociador. E o PT, esse partido que não deixava passar nada, que primava pela excelência da ética e da moral pública. Nós achávamos que ia começar um novo momento e logo teve o mensalão, que foi uma queda absoluta. Nunca estivemos tão péssimos. É uma decepção até para o próprio PT. Há pesquisas que mostram que os petistas estão desencantados com o partido. Deu tudo errado.

E como você vê a saída da Marina Silva do PT?

A Marina é uma moça muito bem formada, que tem uma biografia. O Lula não pode dizer para a Marina que ele veio do nada, porque ela veio de um seringal, analfabeta. Quando tinha alguém doente na família tinha que caminhar por três dias. Alfabetizou a irmã, se construiu de uma forma que seria impossível de acontecer. É uma pessoa íntegra. O fato de a Marina se afastar é uma dica, um diagnóstico de que as coisas andam mal.

Você acredita que a política no Brasil ainda tem solução? O que precisa ser feito?

Depende só da sociedade. A sociedade tem que dar uma solução definida. Tem o exemplo das mulheres no Irã, numa sociedade repressora, muito religiosa, elas se organizaram através da internet e construíram uma oposição à ditadura muito forte. As mulheres no Brasil deviam tomar frente, já que os homens não estão dando conta, e fazer denúncias através desse meio democrático que é a internet. Nós falamos muito mal do senado que é realmente uma vergonha, mas afinal fomos nós que votamos nessa gente. A responsabilidade é nossa. Eu acredito que a sociedade precisa de organizar e tomar medidas drásticas. Fazer uma dedetização.

Você já pensou em se candidatar a algum cargo político?

Deus nos livre guarde. Acho que sou muito mais útil fazendo crítica nas minhas peças. Eu já fui convidado a ser senador, quando eu estava no auge da carreira televisiva. Mas eu nunca pretendi entrar para a política. Eu quero ser um escritor, um ator. Eu gostaria que houvesse pessoas que aceitassem e honrassem esses cargos. Esse é um problema grave entre as pessoas jovens e talentosas que poderiam melhorar a qualidade de nosso parlamento. Elas se recusam a entrar na política porque têm dificuldade em expor seu ponto de vista. Sem o apoio de pessoas como Renan Calheiros e José Sarney, o jovem não tem nem como falar.

O que você espera das apresentações em Curitiba?

O público de Curitiba é um dos mais exigentes do Brasil, se não o mais exigente. É um público culto, preparado, que está habituado à cultura e a espetáculos complexos. É um público que conhece política e participa politicamente de tudo o que acontece no Brasil. Além de estar em um estado riquíssimo que é o Paraná. É um público exigente e é uma delícia que seja. Nós mesmos estreamos a peça Meno Male em Curitiba para saber o que ia acontecer no Brasil. Eu acho que o público vai gostar sim.

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