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As pessoas podem ser divididas entre as que gostam e as que não gostam de moda. Entre as primeiras estariam aquelas fascinadas pelas oportunidades de consumo deliberado desses verdadeiros objetos de desejo – roupas, acessórios, conceitos e os valores que neles vêm embutidos –, pela estética e pela imagem. As outras considerariam tudo isso uma futilidade. Diriam, por exemplo, que fashionistas não têm os dois pés no chão e que nem mesmo a confusão que assola São Paulo nesses dias é capaz de alterar a dinâmica da São Paulo Fashion Week, que acontece até hoje, na Bienal de São Paulo. Se altera ou não, é uma outra questão, já que o evento ficou bem mais esvaziado nessa edição. Mas justiça seja feita à SPFW, que acaba dando visibilidade a toda produção dos estilistas que apresentam suas coleções nesta, que é a semana de moda mais importante da América Latina: a moda, assim como as expressões artísticas, busca inspiração na vida cotidiana, na realidade e nos valores, que são a base da cultura popular e, por isso, também acaba dando voz a quem não tem. Vide o caso da Daspu, marca de roupas criada pela ONG carioca Da Vida formada por prostitutas, que conseguiu levar sua coleção de roupas para o circuito off da São Paulo Fashion Week. As moças apresentaram sua moda numa casa noturna paulistana com direito a muita pose, roupas provocantes e performances cheias de más intenções.

Quem olha para os desfiles e imagina que são repeteco do que é visto nas semanas de moda internacionais, não faz idéia de tudo o que faz parte desse processo. Um mestre em fundamentar suas coleções é o mineiro Ronaldo Fraga, que contradiz boa parte das tendências para dar vida à sua arte. Desta vez, por exemplo, ele trouxe para a São Paulo Fashion Week um idílio coreográfico, uma poesia, uma melodia afinada ao tratar da obra de Guimarães Rosa, o seu Grande Sertão: Veredas e a mais bela história de amor, na opinião do artista, entre Riobaldo e Diadorim. Tudo em cena foi perfeitamente costurado a fim de levar espectadores para dentro da obra do escritor – Guimarães – e do estilista – Ronaldo. Teve tapete de serragem no chão (daqueles cheios de desenhos, usados em procissões), com uma cobra gigantesca que serviu de passarela para as modelos, trilha com "O Trenzinho Caipira" de Villa-Lobos e roupas que reviveram o luar do sertão, a dualidade entre homem e mulher, o encantamento diante da vida. Em termos de peças – vestidos soltinhos, lúdicos, doces, recheados de figuras presentes no imaginário sertanejo, túnicas, bermudas e paletós mais despojados.

Sofisticação e romantismo

Nem tudo, no entanto, tem história. A Maria Bonita, por exemplo, não veio para a passarela nem com prosa nem com poesia. Mas, mesmo assim, dedicou sua coleção às mulheres, todas sofisticadas, vestidas como se estivessem nuas, valorizando formas e pele. Aliás, pele foi a cor do desfile, marcado pelos trench coats mutantes – na frente densos e atrás transparentes –, os terninhos, que abandonaram as calças convencionais para deleite dos saiões absolutos e vestidos com silk prateado.

Outra a falar de moda para uma mulher elegante e romântica foi Glória Coelho. Ela fez suas meninas virarem moças em vestidos românticos, cheios de babadinhos e transparências, mangas bufantes e saias soltinhas. Branco e preto completam a gama de cores para a nova estação – o resto é complemento. Os homens também tiveram sua vez na SPFW. Alexandre Herchcovitch fez uma boa coleção para eles, abusando das listras, dos caftãs (túnicas bem compridas) e das sobreposições, além de ter escalado para a apresentação apenas modelos e homens comuns com os cabelos com dreadlocks ou rastafari. A inspiração do estilista? Os costumes de uma tribo africana estudados por ele antes mesmo de saber que todo o evento teria esse apelo – um olhar pop sobre a África.

Os percalços da vida real não conseguiram estragar mesmo, pelo menos até agora, o andamento da moda da SPFW. Muita coisa boa foi apresentada na semana, como é o caso da suavidade contemporânea e conceitual da Huis Clos, o glamour de Iódice, o exímio trato dos materiais de Lino Villaventura e a diversão da Zigfreda. Outros fizeram mais um tanto de graça pelo evento, como foi o caso de Karla Girotto, que mandou os modelos masculinos conduzirem balões de ar que levavam, dependuradas, roupas femininas.

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