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 | Ilustração: Robson Vilalba
| Foto: Ilustração: Robson Vilalba

Linha do tempo

Conheça alguns fatos importantes da trajetória do Rei do Baião:

• 1912 – Nasce em Exu (PE). A partir de 1920, passa a acompanhar o pai, o lavrador e sanfoneiro Januário, em forrós.

• 1930 – Depois de deixar a casa dos pais após uma surra, se alista no exército em Fortaleza (CE).

• 1939 – Dá baixa no quartel em que servia em Minas Gerais e decide voltar para Pernambuco. De passagem pelo Rio de Janeiro, decide ficar e tentar a carreira como músico.

• 1940 – Conhece um grupo de universitários cearenses que o convencem a tocar músicas do sertão. Um ano depois, seu forró "Vira e Mexe" ganha nota máxima no programa de calouros de Ary Barroso. A música seria sua primeira gravação.

• 1945 – Inicia a parceria com Humberto Teixeira. A primeira canção da dupla é "No Meu Pé de Serra". A parceria renderia canções como "Qui Nem Jiló", "Assum Preto", "Baião de Dois" e "Respeita Januário". Em 22 de setembro, nasce Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior (Gonzaguinha).

• 1946 – Com a música "Baião", Luiz Gonzaga começa a popularizar o ritmo. A volta para Exu, 16 anos depois de sua partida, inspira composições como "Asa Branca" e "Respeita Januário". Gonzaga adota a o traje de cangaceiro.

• Início dos 1950 – Torna-se um dos maiores vendedores de discos do Brasil e fica conhecido como o Rei do Baião. O ritmo vira febre nacional.

• 1958 – João Gilberto lança "Chega de Saudade", o marco inicial da bossa nova, que faz o baião sair da moda. O violão substitui a sanfona como instrumento preferido. Gonzaga se volta para os fãs no Nordeste.

• 1965 – A Jovem Guarda domina as paradas de sucessos e o baião de Gonzaga perde ainda mais espaço. O reinado passa a ser de Roberto Carlos.

• 1972 – Redescoberto pela intelectualidade carioca graças a menções e gravações dos tropicalistas, Gonzaga se apresenta no Teatro Tereza Rachel.

• 1980 – Sai em turnê com Gonzaguinha.

• 1989 – Morre aos 76 anos, em 2 de agosto.

Centenário de Luiz Gonzaga

"Gonzaga é a maior referência para os que gostam de forró, mas vai além disso: ele determinou, sutilmente, uma musicalidade do baião em outros estilos musicais brasileiros – como a MPB, o reggae e o rock."

Tato, vocalista do Falamansa

"O forró está muito vivo, especialmente entre os jovens, em parte graças a novas bandas para quem Dominguinhos é rei. Eles têm esse cuidado de olhar para o passado e para o futuro. Isso vai garantir a renovação do forró."

Carlos Marcelo Carvalho, autor de O Fole Roncou!: Uma História do Forró

"Em ‘Nos Bailes da Vida’ o Milton Nascimento dizia: ‘Todo artista tem de ir aonde o povo está’. E o Gonzaga ia."

Dominguinhos, músico

"Os ritmos que a gente reúne sob o rótulo do forró – xote, baião, xaxado – não entram ou saem de moda. É como samba: pode ter onda de samba rock, pagode, mas está incorporado à base da nossa música."

Rosualdo Rodrigues, autor de O Fole Roncou!: Uma História do Forró

"[Gonzaga] é a cara do sertão. Pode vir qualquer moda, mas o repertório dele é muito rico. Ele falou de tudo: alegria, tristeza, lado político. Não tem como isso não estar sempre sendo lembrado."

Fagner, músico

Dominguinhos já estava no sertão pernambucano quando falou à Gazeta do Povo sobre o centenário do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, comemorado na última quinta-feira, 13. O sanfoneiro chegava a Exu, cidade natal de Gonzaga, onde uma das principais homenagens – entre muitas ao longo do país – reuniria alguns dos seus mais ilustres seguidores, de Azulão a Gilberto Gil.

"Para mim, o centenário é só um número. Mas estou surpreso com tudo o que está acontecendo", diz Dominguinhos, por telefone. "É um momento extraordinário. Ele nunca foi tão homenageado."

Os festejos são proporcionais à importância unanimemente atribuída a Luiz Gonzaga. Seu nome é colocado ao lado do de Tom Jobim como um dos pilares da música brasileira, e a autenticidade do universo sertanejo que criou é comparada ao urbano de Noel Rosa e ao praieiro de Dorival Caymmi. Isto não garante, no entanto, uma lembrança tão devotada. O cantor

Fagner tem seus palpites."Se eu estivesse aceitado todos os convites referentes ao centenário, não teria feito outra coisa esse ano", conta, por telefone, o músico cearense, que se tornou íntimo do Rei do Baião em 1980. "É surpreendente o quanto esse povo gostava dele, o que ele representou. Principalmente aqui no nordeste", justifica.

Esta seria a força de Gonzaga: independentemente dos altos e baixos de reconhecimento que teve ao longo de sua trajetória no sudeste, o cantor foi extraordinariamente popular.

"Quando se compara o Gonzaga com um Jobim, sem entrar no mérito da qualidade, se percebe que a história era outra. Com Gonzaga, está se falando de uma autenticidade brasileira", explica Fagner. "O reconhecimento de Jobim está muito ligado ao Rio de Janeiro, à mídia. A coisa do Gonzaga vem do sentimento do povo. Acho que é uma coisa única."

Altos e baixos

Gonzaga amargou fases de ostracismo que se seguiram ao reinado do baião, entre o fim dos anos 1940 e a primeira metade dos anos 1950.

O pernambucano surgiu em um Rio de Janeiro saturado de música estrangeira fazendo algo genuinamente nacional que a então capital do Brasil ainda não conhecia – com exceção dos nordestinos que chegavam em uma onda migratória crescente.

Com a força do rádio e o pioneirismo pop de Gonzaga (tal como o turbante de Carmen Miranda, o chapéu de vaqueiro e o gibão se tornariam marcas registradas), o baião se tornou coqueluche a ponto de o acordeão virar mania nacional – até ser ofuscado pelo violão de João Gilberto.

"Gonzaga foi jogado ao ostracismo por conta de mudanças no cenário cultural. Com a chegada da bossa nova e a modernização do país com Juscelino Kubitschek, a sanfona e o forró passaram a ser vistos como algo ultrapassado, meio cafona", explica o jornalista paraibano Rosualdo Rodrigues – coautor do livro O Fole Roncou! (Zahar, 2012) com Carlos Marcelo Carvalho.

O Rei do Baião seria relembrado por Gilberto Gil e Caetano Veloso, e redescoberto pela intelectualidade que havia torcido o nariz, em parte também devido à sua indefinição política.

"Ele tinha um filho engajado [Gonzaguinha], era uma época de muita radicalidade. Mas ninguém sabia quem ele era politicamente", explica Rodrigues. "Ele era capaz de fazer músicas de protesto, como ‘Ajuda o Teu Irmão’ (1952) e ‘Vozes da Seca’ (1953), e, ao mesmo tempo, cantar em comício de candidato de direita."

A baixa na popularidade, que seria reforçada pela chegada da Jovem Guarda nos anos 1960, levaria Gonzagão a se voltar novamente para o nordeste, ao qual sempre pertenceu.

"Toda cidade do nordeste, no fim da tarde, toca Luiz Gonzaga. Isso é normal até hoje", conta Fagner. "É claro, ele tem momentos de mais ou menos visibilidade, mas ele é a cara do sertão. Pode vir qualquer moda, mas o repertório dele é muito rico. Ele falou de tudo: alegria, tristeza, lado político. Não tem como isto não estar sempre sendo lembrado. As pessoas que partiam e partem do nordeste para o sul, ou que hoje estão voltando, trazem na bagagem a história contada pelo Gonzaga. Ele é a referência maior, e botou o nordeste na geografia do Brasil."

Dominguinhos completa. "Em ‘Nos Bailes da Vida’ o Milton Nascimento dizia: ‘Todo artista tem de ir aonde o povo está’. E o Gonzaga ia."

Gonzaga deixou um forte legado ao nacionalizar ritmos nordestinos

Luiz Gonzaga e seu parceiro mais conhecido, Humberto Teixeira (1915-1979) sempre deixaram claro que não inventaram o baião. O ritmo já era tocado desde pelo menos o século 19. O que Gonzaga fez – incitado por um grupo de universitários cearenses que o assistiam tocar gêneros estrangeiros na zona do Mangue, no início de sua carreira – foi resgatar o ritmo da memória musical de Gonzaga e urbanizá-lo.

Músico intuitivo e autodidata – seu primeiro mestre foi o pai, Januário –, Gonzaga procurou formas próprias de tocar o baião. Foi ele quem criou a tradicional formação do forró pé-de-serra: zabumba, triângulo e sanfona – esta, tocada com uma rítmica original.

"Ele teve uma importância de descobrimento dessas coisas. Os mais velhos e os historiadores sabiam que o baião existia, mas quem botou nesse formato foi ele", conta Dominguinhos. "Ele conhecia o baião, o maracatu, sabia a batida de cada um. E tinha esse dom de inovar", conta o músico.

Dominguinhos foi escolhido pelo próprio Gonzaga como seu herdeiro artístico, mas não foi sua única cria. Além de Teixeira, letrista responsável pelas canções que formaram uma identidade do Nordeste para o Brasil (vide a emblemática "Asa Branca"), Gonzaga lançou outros compositores importantes, como Zé Dantas, Antonio Barros, João Silva e Onildo Almeida.

E ajudava os músicos nordestinos a se estabelecerem no Rio de Janeiro, ciente de que isso fortaleceria o reinado do baião. De uma forma ou de outra relacionados a Gonzaga vieram Marinês, João do Vale e Trio Nordestino, entre outros.

"Gonzaga era muito cioso do baião. Realmente foi o pai de todos. E tentava proteger ao máximo seus filhos", explica o jornalista Carlos Marcelo Carvalho.

Sintomaticamente, após a morte de Gonzaga, em 1989 – vítima de complicações decorrentes de câncer na próstata e nos ossos –, o Nordeste foi tomado pelo fenômeno mercadológico do forró eletrônico. Bandas como Mastruz com Leite, Aviões do Forró e Calcinha Preta passaram a tocar até a saturação uma mistura de forró com Kaoma que Dominguinhos chamou de forró-lambada. "Gonzaga era uma presença incontornável. Sem essa presença, não só física como de carisma, essa guinada aconteceu de forma mais rápida", explica Carvalho.

Curiosamente, o contraponto veio da classe média do Sudeste, em um movimento que culminou com o auge do "forró universitário" nos anos 2000, capitaneado pelo grupo paulista Falamansa.

"O que caracteriza esse movimento é que foi muito baseado na cultura brasileira de raiz – o xote, o forró de zabumba, triângulo e sanfona. Foi isso o que perdurou", explica, por telefone, o vocalista Tato.

Mas o principal herdeiro de Gonzaga, Dominguinhos, nunca se mostrou preocupado com possíveis distorções do forró. "Muita gente intercedeu e mudou um pouco a cara do baião", explica Dominguinhos.

Aqui, poderiam ser citados desde Jackson do Pandeiro até as gerações que, se não são herdeiras diretas, tiveram na universalização da música nordestina realizada por Gonzaga uma de suas referências seminais, como Fagner e Belchior, Alceu Valença e Geraldo Azevedo, Chico Science & Nação Zumbi e Lenine.

"A cada dia que surge uma banda tocando de forma diferente, as pessoas estão enxergando o que outros músicos mais autênticos estão fazendo em torno da música de Gonzaga", explica Dominguinhos. "É tudo bem-vindo."

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