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Domingos Meirelles, como sua mãe costumava dizer, "fala pelos cotovelos". Quem assiste ao programa Linha Direta, apresentado por ele na Rede Globo, não faz idéia. Porém, se um tagarela fala movido apenas pelo impulso incontrolável de mexer a boca e emitir sons que nem sempre resultam em algo interessante, Meirelles discorre sobre episódios fascinantes. Não se desperdiça nada do que ele fala.

Hoje, aos 66 anos, conta 41 como jornalista – 21 deles na Globo. Carioca que ainda vive no Rio, trabalhou em tantos jornais que seria chato listá-los aqui. Em 74, Meirelles reconstituiu a marcha da Coluna Prestes para o Jornal da Tarde (propriedade do grupo que edita O Estado de S.Paulo). Passou quase dois meses viajando pelo Brasil e terminou a epopéia na Bolívia com uma certeza. Se ele ficou surpreso com o quanto não sabia sobre a história do país, boa parte dos brasileiros também poderia se surpreender.

Passou duas décadas pesquisando a Coluna Prestes, trabalho que resultou no livro As Noites das Grandes Fogueiras, lançado em 95 pela Record. Ano passado, a mesma editora publicou seu segundo livro, 1930 – Os Órfãos da Revolução, vencedor do Prêmio Jabuti 2006 na categoria Ciências Humanas.

Obra retrata os bastidores da conspiração que derrubou o presidente Washington Luís (1869 – 1957) a menos de um mês de transmitir a faixa ao seu sucessor, Júlio Prestes (1882 – 1946). "Quero democratizar o conhecimento", diz o jornalista, que admite escrever livros para não enlouquecer de saudades do que chama "tempo glorioso da imprensa", quando um editor mandava o repórter sair e só voltar com uma boa história – o que poderia acontecer em 15 ou 20 dias. Às vezes, mais.

Meirelles veio a Curitiba no início do mês para fazer uma palestra na Unibrasil – Faculdades Integradas do Brasil e conversou com o Caderno G.

Caderno G – Ganhar um Jabuti influenciou o desempenho comercial de 1930 – Os Órfãos da Revolução?

Domingos Meirelles – No primeiro mês, foi vísivel que houve uma procura (maior) pelo livro, mas foi um impulso. Logo depois ele voltou ao patamar dos meses anteriores.

O senhor conta que se surpreendeu por ter vencido a categoria de Ciências Humanas.

Porque eu competi com filósofos, historiadores e cientistas sociais famosos. Foi uma coisa que realmente me surpreendeu. Quando eu soube que a Câmara Brasileira do Livro me colocou nessa categoria, eu já torci o nariz. Pensei: "É uma forma elegante de me expelirem da premiação final". É só consultar o site da Câmara para ver que concorri com pessoas extremamente qualificadas – até mais qualificadas do que eu intelectualmente.

Se o Jabuti não chega a influenciar as vendas de um livro, que tipo de influência ele tem, afinal?

Ele te dá uma certa distinção. Talvez você não tenha uma resposta imediata do ponto de vista comercial, mas isso te dá um status: "Ele é um vencedor do Jabuti", "Aquele livro ganhou o Jabuti". (Esse foi o segundo Jabuti de Meirelles. O primeiro, ele ganhou em reportagem.)

O sr. concorda com a classificação do livro como Ciências Humanas.

Concordo. Até porque agora não há como dizer outra coisa. Ele se encaixa. Um repórter me perguntou por que eu me interesso pelo passado. Eu disse a ele o seguinte: o tempo é uma construção do homem. Quando eu me interesso pelo passado, na verdade, o passado é um espelho – eu estou discutindo o presente. A chave das grandes questões do mundo moderno, você vai encontrar 50, 70 anos atrás. No caso do Brasil, é pior. O Brasil é um país que caminha em círculos. Ele dá uma falsa idéia de que avança. As desigualdades não se dissolveram ao longo dos anos, apesar das estatísticas. Esse é um país extremamente perverso, é um país injusto com seus filhos. E, comparando com os anos 20, que é minha área de pesquisa, o fosso entre a miséria e a riqueza não só se alargou, como se aprofundou. Daí o meu interesse pelo passado. No passado você vai encontrar as raízes das grandes questões nacionais que se discute hoje.

Como o senhor concilia o papel de apresentador do Linha Direta com o de escritor e pesquisador histórico? Existe algo intercambiável entre as duas funções?

O ato de escrever, por si só, é um ato de renúncia. Você tem que abrir mão de uma série de outras atividades. Por exemplo, eu não tenho vida social. Eu raramente vou ao cinema. Esse livro (1930), levei dez anos para construir, entre pesquisa e texto final. Nesse período, não fui ao teatro e raramente fui ao cinema. Durante o trabalho de pesquisa, eu fico muito envolvido com meus fantasmas.

E quanto às outras funções, como a do homem de tevê?

Eu tiro partido também. Isso me facilita algumas coisas, como o acesso a alguns arquivos.

O senhor acha que alguém pode se interessar pelo livro porque o senhor apresenta o Linha Direta, embora uma coisa tenha pouco – ou nada – a ver com a outra?

Essa pergunta eu já me fiz. Podemos reformular a pergunta: "Quem são os seus leitores ou onde estão eles?". Eu diria que estão em toda parte. Eu me lembro que parei para abastecer em um posto, na frente de um shopping lá no Rio de Janeiro, e o rapaz disse "O senhor escreveu um segundo livro?". Bom, para ele saber que eu escrevi "um segundo livro", ele tem a informação de que eu fiz "um primeiro". Eu disse sim, escrevi. "Qual é o assunto?" É a continuação do primeiro. "Ah, o primeiro eu li." Você leu? "Li, sobre a Coluna Prestes." Ele virou-se para mim e disse: "Eu vou fazer um pedido, se eu comprar o seu livro e deixar aqui no posto, caso eu não esteja, o senhor autografa para mim?". No banco traseiro do carro eu tinha um livro, dei para ele e caprichei na dedicatória. Ele disse "Meu nome é Igor Bahia com agá".

O senhor não esqueceu o nome dele?

Nunca mais vou esquecer. Os leitores brotam de onde você menos espera.

Existe um ponto de vista jornalístico na sua abordagem da História do Brasil?

Existe um olhar.

Clique para ler a segunda parte da entrevista

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