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 | Ilustração: Robson Vilalba
| Foto: Ilustração: Robson Vilalba

Novos Franciscos virão

Confira a entrevista com o Padre Lubomir Žak, teólogo da Universidade Lateranense de Roma

As armas contra a pobreza espiritual

O romance Os Noivos (I Promessi Sposi), do italiano Alessandro Manzoni, é uma das obras preferidas do papa Francisco

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Um cardeal brasileiro – dom Cláudio Hummes – sugere ao pé de ouvido de um cardeal argentino – dom Jorge Mário Bergoglio, eleito papa – que adote para si o nome de Francisco. Francisco só. Não, não é um filme do Nanni Moretti, ainda que pudesse. Melhor do que cinema, a cena da vida real – já candidata à eternidade – é, como se dizia, uma "chave" para entender o homem que "veio do fim do mundo".

Ele usa sapatos surrados. Carrega a própria valise. Fala com jornalistas sobre qualquer assunto, inclusive aquele. Em seus discursos, o que diz a respeito de simplicidade e amor aos pobres soa familiar a qualquer um que tenha pelo menos feito a Primeira Comunhão, e o é de fato.

A Igreja soma séculos e séculos de testemunhos de virtude cristã, demãos de verniz em encíclicas, debates acalorados em sínodos e concílios, sempre reciclando a mística da pobreza. Não haveria motivos para espanto diante de Francisco. A novidade é que o papa faz com que conceitos gastos à exaustão pareçam recém-saídos da pena, e essa é a questão.

Ao refletir sobre o significado da performance do novo líder católico, o pesquisador Osmar Ponchirolli, 47 anos, monta esquemas no papel e pontifica sua análise com a palavra "Francisco de Assis". É nesse nome que tudo começa – dali saem as flechas e os pontos que destrincha com perícia.

Está credenciado para tanto – ex-religioso salesiano, Osmar é formado em Filosofia e Teologia. Tem mestrado e doutorado em Engenharia da Produção – parte de seu malabarismo para levar a cultura humanística aos rincões da técnica. Pesquisa capital humano e Escola de Frankfurt. Professor em Curitiba no Ins­­tituto de Filosofia São Boa­­ventura, ligado ao Centro Universitário FAE, tem intimidade com o carisma dos franciscanos, mantenedores da instituição onde atua.

Conceito

Em primeiro lugar, lem­­­bra que no século 13, Fran­­cisco, o santo, deu oxigênio a uma Igreja cravejada de ouro e de problemas. Era um restaurador. Dispensa-se a analogia. Os dois cardeais que arquitetaram a citação ao "pobrezinho de Assis" são da América Latina, o continente onde o conceito de uma Igreja pobre e para os pobres nada tem de abstrato. Qualquer argentino, chileno ou peruano podem ver do que se trata ao colocar o nariz na janela de casa.

Os documentos de Me­­dellín, Puebla, Santo Do­­mingo e Aparecida – para citar alguns – podem até não ser os livros de cabeceira de cardeais como Hummes e Bergoglio, mas estão muito perto disso. É o bastante para se afirmar que o papado de Francisco reflete a experiência cotidiana do seminarista Jorge ao cardeal Jorge. Essa coerência absurda de forma e conteúdo em parte explica o fascínio que o santo padre provoca. Sem lhe tirar o mérito, sabe ser Francisco sem fazer força.

O resto vem a galope. Os­­mar lista: as atitudes de Fran­cisco mostram desconforto com uma Igreja que é também um Estado, sujeito aos dissabores do poder, como o lobby e a corrupção. "Pode uma Igreja que é um Estado se tornar uma Igreja pobre?", provoca o pesquisador, prevendo o que Francisco deve promover a médio prazo – a diminuição da estrutura política do Vaticano para que o catolicismo possa emergir, leve e nu como Francisco.

"A Igreja que ele quer ainda é um desejo. Reparem que usa muito a expressão ‘gostaria’. O que vê na realidade dos bispados não é o que quer de fato", observa. O raciocínio ganha um fecho: a figura de Francisco de Assis ilustra à perfeição a Igreja sonhada por Bergoglio. É seu projeto de papado. Debaixo das batas puídas do poverello, quer desenhar uma comunidade eclesial ungida para amparar os necessitados, que trabalhe pela paz ("Paz e bem", dizem os franciscanos) e que abrace a causa ambiental – com folga a única questão universal em meio ao pulverizado século 21.

Sentido

É um plano poético, mas sobretudo político. Aí vem o alerta de Osmar Ponchirolli: o que se vai fazer dos dizeres do papa Francisco? "Vejo riscos", diz, ao lembrar que a afirmação de uma Igreja humilde tende a ser simplificada, sendo entendida apenas como austeridade, esmola, assistência. Ou acabe reduzida a um simbolismo ingênuo.

Nos documentos do Con­­­­cílio Vaticano II e na Dou­­trina Social da Igreja a opção pelos pobres tem um sentido profético. "A pobreza é provocada socialmente", lembra o estudioso, ao desfiar o sentido profundo de expressões como "rosto sofredor dos pobres" e "Igreja advogada da justiça", esmiuçadas em tantos documentos eclesiais.

Talvez, essa primeira fase do papado seja vista daqui um tempo como uma fase emocional. Nela, "Francisco fez seu desabafo, mudou comportamentos, mostrou desprendimento", analisa. O que vem pela frente é que é de derreter catedrais. A Igreja dos pobres da qual tanto fala é uma condição para que possa emergir uma Igreja da fraternidade e da igualdade, capaz de irmanar os "corações inquietos", sejam homens ou mulheres, orientais e ocidentais, ateus e crentes. "Uma Igreja que resgate o feminino, que atue no tecido social", ilustra Ponchirolli, ao apontar a altura que pode ganhar o pequeno sopro de Hummes no ouvido de Bergoglio.

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