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É possível haver amizade entre crítico e artistas?

Não há o menor problema. O crítico sendo honesto, ninguém reclama. Nelson Rodrigues era meu grande amigo. Amigo de me telefonar diariamente do Rio para São Paulo. Quando me mudei, ele ficou desesperado porque achava que eu dava muito apoio para ele no Rio. Ele era muito combatido, e eu sempre gostei do teatro dele. O que nunca me impediu de fazer críticas severas. Ele ficava furioso comigo, me xingava e depois fazíamos as pazes (risadas). Só o mau ator, o mau diretor, o mau dramaturgo é que fica furioso com o que o crítico escreve. Esse aí não tem solução.

E hoje, falta crítica teatral no Brasil?

O problema é menos do crítico do que do jornal. O espaço do jornal para a arte em geral encolheu muito. O crítico tem pouco espaço. Quando comecei no Estado de S. Paulo, fazia diariamente uma sessão informativa de cinco laudas, pelo menos. Não é brincadeira. O Décio de Almeida Prado era o crítico do jornal e fazia críticas de 12 laudas. Ele foi convidado pela direção do jornal para ser o diretor do Suplemento Literário e me convidou para fazer a coluna de teatro. Então, passei a ter um espaço enorme que aproveitei em livros depois. Eu podia me espraiar à vontade. Às vezes, mesmo tendo uma coluna enorme, eu fazia artigo à prestação, não sei como as pessoas tinham paciência (risos).

Você pode fazer uma crítica em dez, vinte, quarenta ou duzentas linhas. Agora, ela é diferente para cada espaço. No espaço pequeno, você só pode dar as coordenadas gerais. Em outro espaço você pode fazer uma análise demorada, algo que interesse mais à própria classe teatral, porque ela gosta que haja uma fundamentação para a opinião do crítico. Se ele só disser isso é bom, isso não é, qual o interesse? Só publicitário. Se ele falar que o espetáculo é bom, ajuda, se meter o pau, atrapalha.

O sr. conhece o teatro produzido aqui no Paraná?

Conheço pouco, porque só vindo freqüentemente à cidade para acompanhar seu movimento teatral. Ou, então, se os grupos daqui fossem periodicamente a São Paulo ou Rio. Mas isso não acontece mais. Esse tipo de política já aconteceu no Ministério da Educação e Cultura há muito tempo. Mas, veio essa coisa chamada neoliberalismo que acabou com o país. Então, não há mais auxílio real, um Serviço Nacional do Teatro – (SNT), uma Comissão Estadual de Teatro. Na Europa, o teatro é subsidiado. Aí, dizem, "mas o nosso modelo não é Europeu, é norte-americano". É uma mentira, porque nos Estados Unidos o dinheiro não sai do governo, mas existe uma outra mentalidade. Quando houve a grande crise de 1929, o governo se empenhou pra manter o teatro. Hoje há fundações que se dedicam a ajudar a arte em geral. Isso é um serviço do norte-americano, que tem compreensão da importância da cultura. No Brasil, não existe isso. A maioria dos governantes não tem interesse por teatro, por cinema, por artes plásticas. Aí fica muito difícil, pois dirigir o país nas suas necessidades básicas já não é brincadeira, imagine se preocupar com arte se você não tem gosto por isso.

Houve avanços recentes nas políticas de incentivo ao teatro?

Infelizmente, não. Antes, havia uma mentalidade empresarial de estrangeiros que tinham paixão pelo teatro. Quando acabou a Segunda Guerra, o Brasil recebeu Ziembinski, um grande diretor polonês que fugiu da Europa e veio para o Rio de Janeiro (em 1939). Em São Paulo, o industrial italiano Franco Zampari criou o Teatro Brasileiro de Comédia – (TBC) e a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, e trouxe vários diretores da Itália como Adolfo Celi, Luciano Salce e Flaminio Bollini Cerri. O casal Sandro Poloni (diretor teatral) e Maria Della Costa (atriz) foram buscar na Itália o Gianni Ratto, o único a permanecer aqui.

Como o sr. vê teatro brasileiro hoje?

Nelson (Rodrigues) foi um grande desbravador. Antes dele, Oswald de Andrade fez um ótimo teatro. Tanto que quando o Teatro Oficina montou O Rei da Vela, após sua morte, foi um sucesso estrondoso. Havia um gosto pelo teatro, mas não havia uma tradição e o teatro não tinha apoio verdadeiro. O Zampari perdeu a fortuna dele no TBC e na Vera Cruz. De lá pra cá, houve outras manifestações. Sandro Poloni e a Maria Della Costa ergueram um teatro em 1954 em São Paulo (o Teatro Maria Dalla Costa). Sergio Cardoso, que era um grande astro do teatro no Rio de Janeiro, foi para São Paulo e criou o Teatro Bela Vista (hoje, Teatro Sergio Cardoso). São Paulo começou a ser um centro de importância igual ao Rio de Janeiro, mas com uma estética mais moderna. Hoje, tudo é muito difícil. Não há ajuda. O pessoal do teatro reclamava muito do SNT, da Comissão Nacional de Teatro, mas eu me lembro que às vezes uma produção era coberta com metade da despesa paga pelo governo. Infelizmente, isso hoje não existe mais. Agora, a culpa é em grande parte da classe teatral, porque se ela se mobilizasse e fosse reclamar e brigar, a situação seria diferente.

O governo Lula mudou alguma coisa?

Não mudou porque não foi acionado pra isso. As necessidades do Brasil são tão grandes que eu entendo perfeitamente que o Lula tenha que se preocupar primeiro com a melhoria das condições de vida da população em geral. Mas, eu acho que se a classe se reunisse conseguiria perfeitamente ir ao governo, porque é um governo aberto. Não é reacionário, com medo de teatro.

O teatro brasileiro é reconhecido no mundo?

Houve momentos em que o teatro brasileiro viajou e obteve muito sucesso. Agora há uma especialidade brasileira criada pelo Augusto Boal, o Teatro do Oprimido, que se tornou uma coisa mundial. O Teatro do Oprimido ganhou importância na França e depois se espalhou pelo mundo inteiro.

E a crítica brasileira em relação ao mundo?

Às vezes, eu achava a crítica francesa acadêmica demais para o meu gosto. Penso que o crítico brasileiro é mais aberto, mais espontâneo, procura acompanhar o teatro com mais interesse. Não sei se isso é porque a Europa é uma civilização velha, o europeu já nasce meio cansado (risos). Acho que, em geral, o crítico brasileiro é mais solidário com o teatro e mais interessado na novidade – no bom sentido da novidade, naquilo que é um acréscimo ao que se faz.

O sr. vem acompanhando as produções atuais?

Em geral, acompanho aquilo que é bem recebido pela crítica. Tenho dois ex-alunos críticos, a Mariangela Alves de Lima e o Alberto Buzick. Então, leio o que eles escrevem e vou ou deixo de ir.

Mas, prefiro não citar nada. Estou com a memória ruim, posso esquecer de alguma coisa e depois ser cobrado. (risos) Escrevo o que chamo Crônica da Vida Teatral. Já são 48 volumes de 400 páginas cada. É um documento que pretendo deixar. Tudo isso está registrado lá.

Quais os criadores teatrais de sua preferência que fazem parte da história do teatro brasileiro?

Há muita gente boa. Cronologicamente, o teatro moderno ficou com o Oswald de Andrade, seguido pelo Nelson Rodrigues. A coisa foi se espalhando de uma tal maneira até chegar ao Boal, o Plínio Marcos. Este último tem uma obra muito importante e está um pouco esquecido hoje. É um belíssimo dramaturgo, que escrevia com honestidade e franqueza absolutas, e com isso mudou as características do teatro atual. Mesmo aqueles que não acompanham a linha do Plínio aproveitaram a liberdade que ele criou para o palco. Citaria aí a Maria Adelaide Amaral, que nasceu em Portugal, mas que é brasileiríssima. Só como uma pequena exemplificação.

Que atores você colocaria entre mais importantes do país?

Tem muita gente. Eu era amicíssimo do Procópio Ferreira, um ator excepcional, de inteligência brilhante. Também gostava muito do trabalho da Cacilda Becker. Lamento que o Walmor Chagas, que foi marido dela, não se dedique mais ao teatro. Muito a gente dessa geração lutou muito, fez muita coisa e depois o neoliberalismo acabou com tudo. Infelizmente, o governo popular de hoje não conseguiu ou não teve interesse em reverter essa situação. Agora, como já disse, acho culpa da classe teatral que não se mobiliza.

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