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É difícil acreditar que foram necessárias sete décadas para que a história do boxeador James J. Braddock chegasse, finalmente, ao cinema. No dia 13 de junho de 1935, o peso pesado, já aos 30 anos, subiu ao ringue para enfrentar uma luta que muitos julgavam perdida antes mesmo de começar. Além de estar um tanto fora de forma, o descendente de imigrantes irlandeses tinha como oponente o carniceiro Max Baer, conhecido não apenas por levar à lona os adversários. Muitos desses derrotados terminaram no caixão depois de sucumbir a seus golpes baixos. Nada disso, contudo, impediu que Braddock levasse a melhor num embate histórico.

A Luta da Esperança, que chega hoje aos cinemas brasileiros, resgata a trajetória heróica – e exemplar – de Braddock. A história acaba ganhando uma ressonância bem-vinda para os norte-americanos em tempos nos quais os valores fundamentais de sua sociedade parecem andar cambaleantes por conta da administração errática do presidente George W. Bush. Parece, contudo, que a resposta do público ao filme não foi tão positiva quanto a esperada: realizada a um custo de US$ 85 milhões, a produção rendeu US$ 61,5 milhões nos mercado interno, apesar de ter recebido elogios unânimes da crítica. Deverá se pagar no mercado internacional.

Homem do povo, honesto, tenaz e totalmente família, James J. Braddock ganha uma intensidade extra graças ao desempenho intenso e emocionado do neozelandês Russell Crowe (de Gladiador), que faz questão de não imbuir o personagem de características sobre-humanas. A opção do ator é justamente reforçar a falibilidade de Braddock. Esse é um golpe certeiro.

No início do filme, que antecede a Grande Depressão gerada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, o filme de Ron Howard (de Uma Mente Brilhante) apresenta um Braddock confiante, vigoroso e, pelo menos aparentemente, destinado à glória. Essa promessa, no entanto, não é cumprida. Com a crise, o boxeador e sua família perdem tudo e vão parar no porão imundo de um prédio operário em Nova Jérsei, estado natal do personagem.

O que ganha fazendo bicos na docas de Nova Iorque não lhe garante sequer o dinheiro para manter a comida na mesa e pagar as contas de luz e calefação. Nesse ponto, a personagem de Mae, mulher de Braddock vivida por Renée Zellweger (de Cold Mountain), ganha maior importância. É ela quem, graças ao seu pragmatismo e força, mantém a família e, principalmente, o marido de pé.

O relacionamento entre Braddock e Mae, entretanto, não é o ponto forte do filme do ponto de vista dramático. As melhores seqüências – além das cenas de luta, é claro – ficam por conta da química perfeita entre o boxeador e seu agente/treinador Joe Gould. Em mais um trabalho notável, o ótimo Paul Giamatti (de Sideways – Entre Umas e Outras), que desta vez não deve ser esnobado pelo Oscar, empresta a um personagem quase corriqueiro uma complexidade inusitada. Como já havia acontecido entre Crowe e Paul Bettany em Mestre dos Mares – O Lado Mais Distante do Mundo, a cumplicidade travada entre Braddock e Gould acaba conferindo à história aquele algo mais que a diferencia de outros filmes do gênero, dando-lhe transcendência.

Do ponto de vista técnico, A Luta da Esperança é impecável e, certamente, o melhor filme de Howard, superando Uma Mente Brilhante e Apolo 13. Tem ainda, em sua vantagem, uma certa economia dramática incomum no bom-mocismo crônico do cineasta. O diretor demonstra um certo amadurecimento em sua capacidade de ser sutil, poupando-se do vexame da redundância em algumas cenas que são tocantes sem que seja necessário recorrer a emoções baratas.

É uma pena que, em meio a todas essas qualidades, o fantasma das boas intenções por vezes surja atrás de uma porta, ou possa ser surpreendido à espreita em um beco mal-iluminado de Nova Iorque. Embora o roteiro de Akiva Goldsman (oscarizado por Uma Mente Brilhante) não caia no recurso fácil dos sermões nacionalistas, há, nas entrelinhas, uma intenção velada de fazer uma ode à uma mítica terra dos sonhos, onde o indivíduo imbuído de perseverança e tenacidade é capaz de superar qualquer barreira e encontrar seu pote de ouro no fim do arco-íris. Talvez seja um pouco tarde demais para que um filme, por mais honesto e fiel à história que se pretenda, consiga ressuscitar esse mito americano em tempos de Guerra do Iraque e do furacão Katrina. GGG1/2

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