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Ao redigirem a Constituição dos Estados Unidos, em 1787, os pais da pátria não previam a existência de partidos. Um dos arranjos institucionais propostos foi o colégio eleitoral, justamente para preservar a república nascente das facções políticas. Mas, no início do século 19, os partidos surgiram como decorrência natural de um marco democrático: já não era preciso ser dono de terras para votar. Os partidos passaram a agrupar a nova massa de eleitores em dois grupos com os mesmos valores: a separação e o equilíbrio dos poderes, o federalismo e o liberalismo econômico. Não por acaso, Thomas Jefferson (1801-1809) passou para a história como um presidente democrata-republicano. Ainda hoje, tanto republicanos quanto democratas sustentam-se na origem federalista. Com o sarcasmo que é sua marca registrada, o escritor Gore Vidal já chegou a dizer que impera nos EUA o "Partido do Dinheiro", dividido em duas alas.

Consolidou-se, ao longo do tempo, a noção de que os republicanos estão mais à direita e os democratas mais à esquerda. Mas inúmeras são as evidências a desmentir essa polarização. Como exemplo, cito a vigorosa oposição de John F. Kennedy aos direitos civis. O fato é que os dois partidos fundamentam-se na liberdade do povo, inscrita na Constituição americana, e na crença de que é ela a fonte de poder do governo.

Com tantas semelhanças, a escolha eleitoral é pautada, grosso modo, por aspectos pessoais. A vantagem da experiência de John McCain, com 27 anos de vida pública, sobre o jovem senador Barack Obama é uma razão que leva muitos americanos a optarem pelo candidato republicano. É verdade que McCain paga o preço de ser correligionário de George W. Bush, cujo governo vem sendo pontuado por ações desastrosas. Mas, como é óbvio, nem todo republicano é Bush.

Ao contrário do atual presidente, McCain tem defendido a exploração de fontes renováveis de energia. O fato de a bandeira também ser brandida por Obama só reforça a tese das semelhanças. Elas surgem também em relação à imigração (ambos defendem o controle rigoroso das fronteiras) e à economia (prometem reduzir impostos). Quanto ao Iraque, uma convergência: os dois candidatos falam em estabilidade no Golfo. Em termos de segurança interna, Obama, com uma visão idealista demais, dá sinais de que os EUA baixarão a guarda. É algo perigoso. McCain tem os pés no chão e sabe que, como alvo de tanto ódio, os americanos não podem fingir que não têm vulnerabilidades. Também não escapa aos eleitores atentos que a tal mudança personificada pelo democrata ficará mais no campo simbólico. Afinal, imaginar que o racismo e outras abomináveis expressões do preconceito desaparecerão do país apenas por haver um presidente negro na Casa Branca é apostar alto no pensamento mágico.

McCain tem ainda a seu lado uma parte significativa do eleitorado que, assim como ele, se opõe ao aborto e às uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, ambas propostas defendidas por Obama.

Como se vê, há razões de sobra para justificar no experiente McCain. Num país de voto facultativo, minha maior torcida é para que haja maciça presença nas urnas, de modo que o eleito possa governar com grande legitimidade. Abraham Lincoln (1861-1865), um republicano histórico, ensinou, afinal, que "nenhum homem é bastante bom para governar a outro sem seu consentimento".

Sandra Gonçalves é jornalista e tem especialização em Ciências Políticas.

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