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A velha Remington do artista Luiz Carlos Brugnera é um dos objetos que comporão o interior de uma casa impraticável | Walter Alves/Gazeta do Povo
A velha Remington do artista Luiz Carlos Brugnera é um dos objetos que comporão o interior de uma casa impraticável| Foto: Walter Alves/Gazeta do Povo

DESAUTORIZADO

Beleza na decadência

As imagens documentais que formam a mostra Desautorizado fazem parte de uma série mais abrangente produzida entre 2006 e 2009 pela artista argentina, radicada em Berlim, Stine Eriksen, em cemitérios de vagões e paisagens ermas e decadentes dos arredores de Buenos Aires e em pavilhões de fábricas de Berlim e da Alemanha Ocidental – essas últimas, em exibição no Museu da Fotografia.

Mais do que documentar, a fotógrafa, nascida em 1980, transmite da maneira estética a decadência e o abandono desses espaços que, com o progresso industrial, perderam sua utilidade. "Aqui também, antes de tudo, o tema que salta aos olhos é o declínio e as relíquias de industrialização anterior. Mas é também o vácuo, a perda de propósito em si, que a artista soube captar com maestria impressionante: a ausência das pessoas que, aqui, por várias gerações acharam seu trabalho", escreve o crítico de arte alemão Peer Golo Willi, em texto de apresentação da exposição.

Os galpões deixam entrever vestígios visíveis e invisíveis, seja uma cadeira, papéis ao chão, uma máquina registradora quebrada e gavetas e portas de um armário abertas, seja o vácuo de um local que parece ter sido limpo e preparado para novo uso.

Há poesia nesses retratos de espaços melancolicamente vazios, onde o homem se insinua justamente em sua ausência. Infelizmente, o vídeo "Coreografia #1" (2010), em que o observador se torna testemunha de um diálogo silencioso entre duas pessoas no interior de uma fábrica, foi retirado do museu. Restam as fortes imagens das ruínas arquitetônicas que falam da passagem do tempo e do progresso econômico, mas também do abandono e da incomunicabilidade.

  • Pavilhão de fábrica abandonado retratado por Stine Eriksen

Assim que se aproxima para examinar as ranhuras da velha máquina de escrever Remington, o espectador se dá conta de ter sido iludido. O que parecia uma fotografia em sofisticado preto e branco de um objeto ultrapassado é, na verdade, um desenho hiper-realista feito com lápis e borracha sobre superfície de MDF. Simples assim. Ao lado, um telefone de discar, também em versão monocromática, completa a cena em uma das salinhas de paredes amarelo-claras do Museu da Foto­­gra­­fia, no Solar do Barão.São amostragens de uma série que começa a fervilhar no cérebro inventivo do artista gaúcho, radicado em Cascavel, Luiz Carlos Brugnera – que já realizou mostra individual no Museu Oscar Niemeyer e tem trabalhos nos acervos do Museu D’Art Moderne de La Ville (Paris), Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires, Camden Arts Centre (Londres) e Museu Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro).

As obras foram feitas no tempo recorde de dez dias para compor a pequena exposição organizada pelo Instituto Paranaense de Artes – Ipar, que reúne ainda algumas obras – essas, sim, fotografias – da série Desautorizado, da artista argentina radicada em Berlim Stine Eriksen (leia quadro).

A série terá relação com a produção anterior de Brugnera, uma "casa impraticável" formada por elementos arquitetônicos desmembrados. Há uma escada infinita, feita de espuma, impossível de ser galgada; azulejos feitos de caixinha de CDs e tinta de caneta azul; colunas ocas, de PVC, que não sustentam; assoalho grafitado onde não se pisa – muitas dessas peças foram premiadas em salões de arte de todo o país. "São objetos hiper-realistas, que enganam os olhos. Nos desenhos, isso também acontece, mas não criam a mesma ilusão. Descobri-me artista em 1994, fa­­zendo um desenho que tem essa técnica, mais próxima da realidade", conta.

Decoração

Agora é hora de decorar o interior do lar fragmentado com objetos da própria residência do artista. "Vou desenhar automóvel, vitrola, sofás, despertador, geladeira, fogão, tapetes. É a volta do desenho no meu trabalho; de tempos em tempos, retorno a ele", diz. As peças antigas, muitas de antiquário, remetem à memória afetiva e ao gosto de Brugnera – ele pretende desenhar, por exemplo, o filtro de água dos pais e o moedor de café da bisavó. "Esses objetos serão um contraponto à contemporaneidade da parte estrutural da casa", diz.

Para desenhá-los, o artista, de 44 anos parte da observação do próprio objeto na tentativa de aproximar a obra o mais perto possível da realidade. "Os desenhos têm a mesma escala dos objetos", conta. Fo­­tografá-los também ajuda. "Mas o objeto original me passa detalhes que a fotografia não captou. Não consegui observar na foto, por exemplo, o craquelado e as ranhuras da máquina de escrever." Em seguida, Brugnera cobre a tela com seis camadas de verniz automotivo e dá polimento a ela.

Os desenhos hiper-realistas devem, no futuro, coexistir com traços de intensa gestualidade. Mas Brugnera não se preocupa em explicar o que ainda virá. "Gosto de cronologia na minha produção, que o tempo explique o andamento do que o artista pensa e produz", diz.

Serviço:

Brugnera & Desautorizado, no Solar do Barão (R. Carlos Cavalcanti, 533), (41) 3321-3269. Terça a sexta, das 9 às 12 horas, e das 13 às 18 horas; sábado, domingo e feriado, das 12 às 18 horas. Até 20 de fevereiro.

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