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O escritor britânico Ian McEwan lê para uma plateia em Berlim, Alemanha: pano de fundo de novo livro é o aquecimento global | Andreas Rentz/ Getty Images
O escritor britânico Ian McEwan lê para uma plateia em Berlim, Alemanha: pano de fundo de novo livro é o aquecimento global| Foto: Andreas Rentz/ Getty Images

Perfil

Autor ganhou apelido de "Macabro"

Ian McEwan nasceu em 1948 em Aldershot, Inglaterra. Também chamado de "Ian Macabro", por conta do conteúdo de suas primeiras obras, o britânico foi o vencedor dos prêmios Whitbread Award de 1987 e Booker Prize de 1998. Viveu parte da infância no Oriente, na Alemanha, e no Norte da África.

Em toda sua carreira – iniciada em 1975 com Primeiro Amor, Últimos Ritos –, já publicou duas coletâneas de contos e mais de dez romances, inclusive Reparação (2001), adaptado para o cinema por Joe Wright como Desejo e Reparação, em 2007.

Em 2004, o britânico passou por um episódio curioso. Foi convidado para dar uma série de palestras nos Estados Unidos, mas o Departamento de Segurança Nacional o impediu de entrar no país por falta de visto. Somente depois de a imprensa noticiar o caso, teve sua entrada liberada.

Nova York - Há muito tempo que Ian McEwan tem uma propensão a criar personagens desagradáveis e mau-caráteres: crianças que enterram a própria mãe no porão (O Jardim de Cimento), um sádico maquiavélico que ataca um casal de turistas de classe média (Ao Deus-dará), dois conspiradores ex-amantes de uma mulher morta (Amsterdam), uma adolescente que levanta falsas acusações contra um homem e, com isso, muda o curso de sua vida e de toda a sua família (Re­­paração).

Em seu mais recente romance, Solar, o protagonista de McEwan – um homem gordo na meia-idade, físico ganhador do prêmio Nobel, de nome Michael Beard – vem se juntar a essa galeria de anti-heróis repugnantes. No decorrer do livro, ele não apenas trai cinco esposas e inúmeras namoradas e manda um homem inocente para a cadeia, como também rouba os planos de outro cientista para deter o aquecimento global e tenta transformá-los em uma grande máquina de fazer dinheiro. Esse cientista dado ao auto-engano encarnará quase tudo o que, justamente, levou à crise da mudança climática: a ga­­nância, a negligência e a recusa obstinada a pensar sobre as consequências ou o futuro.

Apesar do cenário sombrio, científico do livro (e o aquecimento global, aqui, representa pouco além disso), Solar é o romance mais engraçado de McEwan até agora – um romance que, em tom e pretensão, muitas vezes se parece mais com algo de Zoë Heller ou David Lodge. Assim como Amsterdam, este último livro mostra os dotes do autor como humorista, mas, apesar de um começo divertido, o motor do enredo logo começa a perder o gás, rateando e morrendo à medida que avança de um esquete cômico a outro.

Enquanto em Reparação, sua obra-prima de 2002, McEwan criou uma narrativa maravilhosamente sinfônica, aqui opta por con­­denar os leitores ao ponto de vista de Beard (ainda que a história seja contada em terceira pessoa). A sensação é de claustrofobia: nos encontramos presos no apartamento imundo de Beard em Londres e, pior, dentro de sua mente pervertida, em constante busca por justificativas para seu comportamento cada vez mais ultrajante.

Beard, ficamos sabendo, conquistou o Nobel por um trabalho que fez há muito tempo, e desde então vive de fama, dando palestras e conferências e indo a congressos e simpósios. Não realizou mais nada sério em duas décadas; em vez disso, gastou suas energias numa vida amorosa agitada: dezenas de casos e cinco casamentos, nenhum dos quais, para seu alívio, resultou em filhos. Beard não se incomoda com as próprias traições, mas fica indignado quando descobre que sua atual esposa, a bela Patrice, tem saído com um empreiteiro brutamontes chamado Rodney Tarpin.

Acontece que Patrice tem ainda outro amante: Tom Aldous, um jovem físico do centro de pesquisas do governo para o qual trabalha Beard. Rapaz sério e simpático, Aldous está preocupado com o aquecimento global, quer trabalhar com energia solar – particularmente fotossíntese artificial – e tenta engajar o cínico e misantropo Beard em suas preocupações.

Um dia, Beard volta para casa de uma viagem e encontra Aldous esparramado no sofá vestindo um roupão. Embora o jovem cientista admita estar tendo um caso com Patrice, tenta convencer Beard a ser sensato diante da situação, alegando que os dois deveriam colocar de lado as mesquinharias da rivalidade romântica pelo bem da ciência – que deveriam, na verdade, se tornar parceiros na busca de uma fonte de energia renovável. Então, em um daqueles acontecimentos aleatórios, de mudança repentina de vida, que costumam animar vários dos romances de McEwan, Aldous desaba sobre o tapete de pele de urso polar da sala, bate a cabeça na quina de uma mesa de vidro e, de repente, ali está, morto.

Em vez de fazer a coisa mais racional – e, como cientista, Beard se considera um racionalista acima de tudo – e chamar a polícia, o protagonista remexe nas coisas da sala para fazer parecer que Aldous foi assassinado. E pelo outro amante de Patrice, Tarpin.

Tudo com muita cara de suspense, mas McEwan, curiosamente, não se detém no inquérito policial, nos temores de Beard em ser descoberto, no julgamento de Tarpin ou na reação de Patrice. Ao contrário, rapidamente manda Tarpin para a cadeia e salta cinco anos à frente, até 2005, quando encontramos Beard ocupado com a criação de uma empresa especializada, supostamente, em gerar eletricidade a partir da luz solar.

Essa tecnologia inovadora é resultado do trabalho de Tom Aldous, embora Beard, é claro, não dê crédito ao jovem; quer que todos pensem que ele, Michael Beard, ganhador do Prêmio Nobel, reapareceu para resgatar um mundo à beira do desastre do aquecimento global. A terceira parte do romance se passa em 2009, quando Beard está preparando o início do funcionamento de sua usina de fotossíntese no deserto do Novo México.

Ao contar a história de Beard, McEwan proporciona ao leitor alguns momentos muito divertidos, como na sequência em que o cientista solta observações politicamente incorretas sobre as mulheres e torna-se objeto de um frenesi da mídia, fazendo lembrar o imbróglio de 2005 envolvendo Lawrence H. Summers, então reitor de Harvard.

Os dois terços finais do romance, no entanto, são estranhamente arrastados, uma ladainha repetitiva de McEwan sobre os hábitos glutões e a cintura crescente de Beard, sua promiscuidade sexual e sua tentativa oportunista de ganhar dinheiro com o aquecimento global. Quanto às últimas cenas, nas quais todas as mentiras, traições e esquemas de Beard desmoronam juntos em uma avalanche gigantesca, soam estranhamente superficiais e apressadas: um final insatisfatório para o que, em última análise, é decididamente um trabalho menor do imensamente talentoso McEwan.

Tradução de Christian Schwartz.

Serviço

Solar. Ian McEwan. Companhia das Letras. 338 págs., R$ 41.

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