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O jornalista americano Joseph Mitchell (1908 – 1996) era capaz de passar horas observando um evento qualquer a espera de algo surpreendente. Não há nada extraordinário em um pica-pau bicando uma árvore, mas, se esperar o suficiente, talvez veja a ave derrubar o tronco sozinha. A lição de Mitchell é que o jornalismo depende muito de observação. Às vezes, boas histórias surgem de um olhar atento.

Foi de tanto observar o mercado editorial que surgiu uma certa impressão desconfortável: a de que existem poucas – pouquíssimas – escritoras paranaenses. Mesmo que se torne o conceito mais maleável, considerando autoras não apenas nascidas, mas também radicadas no estado, o cenário continua o mesmo.

Tome como exemplo as duas antologias organizadas pelo escritor Luiz Ruffato, 25 Mulheres Que Estão Fazendo a Nova Literatura Brasileira (2004) e + 30 Mulheres que Estão Fazendo a Nova Literatura Brasileira (2005), ambas publicadas pela Record. Somando as autoras de uma e de outra, são 55 mulheres. Dessas, apenas duas vêm do Paraná: Luci Collin e Regina Iorio. O equivalente a mais ou menos 3% do total.

"A questão não se restringe a autoras paranaenses. A verdade é que quando iniciei a pesquisa para o primeiro volume do 25 Mulheres..., poucos haviam tentado mapear a produção contemporânea especificamente de mulheres", explica Ruffato. "Para mim, ficou claro que os estados com maior poder econômico promovem uma maior visibilidade das escritoras. Quanto menor a inserção da mulher na sociedade – que se dá, no meu ponto de vista, basicamente por conta da educação – menor o número de mulheres pensando a sociedade. Talvez possamos ainda recorrer a uma outra questão: a de que a colonização do interior do Paraná – com a produção de riquezas, através da cafeicultura – se deu muito recentemente e que, numa sociedade agrária, a educação da mulher sempre foi colocada em segundo plano."

Sem dúvida existem talentos femininos na literatura da terra de Helena Kolody (1912 – 2004) – a serem descobertos, inclusive –, mas a impressão de que não há se refere sobretudo àquelas dispostas a pensar a sociedade e o cotidiano paranaenses, como fazem os cronistas. "Poemas podem ser guardados em gavetas de meias e luvas; contos, talvez, em mesas-de-cabeceira; e mesmo romances se guardam, só que imagino que prefiram escrivaninhas ou cômodas antigas. Mas crônicas? Como alguém pode ser um cronista senão por meio do exercício crônico de escrever e publicar regularmente?", questiona a poeta, tradutora e editora Josely Vianna Baptista. Co-autora de Terra sem Mal (Mirabilia) com Guilherme Zamoner, Josely tem uma boa idéia do problema: "Talvez o nó górdio da questão da falta de escritoras cronistas esteja justamente na falta de espaço regular para publicação e na falta de remuneração para o ofício. Mas isso não é ‘privilégio’ das mulheres".

Luci Collin (Inescritos, Travessa dos Editores) enxerga a discrepância entre homens e mulheres na literatura, mas entende que isso não é exclusividade do Paraná e sim "um fenômeno geral para a literatura em qualquer lugar". Luci cita o livro Um Teto Todo Seu, no qual Virginia Woolf (1882 – 1941) defendeu que as mulheres precisam ter dinheiro e privacidade para poder escrever. "Gênios como o de Shakespeare não nascem entre pessoas servis e incultas", escreveu a inglesa.

O prognóstico não é nada bom. "A gente não tem muita noção desse lugar que é o Paraná. Para se fazer crônicas e comentários do cotidiano, é preciso uma postura crítica, mas temos dificuldade de entender nossa própria identidade. Convivemos com isso há décadas", afirma Luci.

Para Josely Vianna Baptista, "criar espaços regulares em periódicos e remunerações profissionais" seria um bom começo. "Agora, não adianta colocar a coluna da cronista em suplementos com ‘temática feminina’ ou similares. Nem brifá-la para que aborde determinados aspectos de seu torrão natal. Senão corre-se o risco de ver surgir a croniqueta de salão, a confissão crônica de cada dia, o cronicão barrigudo... Uma boa ‘pena’ é aquela que, a partir de uma visão pessoal e intransferível, consegue selecionar criticamente determinados aspectos da realidade e abordá-los de forma a mover e comover leitores, levando-os à reflexão."

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