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O homem que aparece nas duas fotos desta página foi o criador de uma das mais belas imagens da literatura brasileira – e de um dos maiores elogios já feitos a uma mulher. Era a descrição de um casal pobre, morando em um barracão. O teto de zinco deixava a luz da Lua passar, criando um piso estrelado. O verso famoso vem logo a seguir. "Tu pisavas os astros distraída." Alguma mulher ficaria triste de ser lembrada assim? Alguém capaz de andar por estrelas sem nem se dar conta disso?

O poema é de Orestes Barbosa. Musicado por Sílvio Caldas, transformou-se no clássico "Chão de Estrelas". É tão bonito que Manuel Bandeira chegou a escrever que, se houvesse um concurso, poderia votar neste como o verso mais bonito da língua portuguesa. Orestes Barbosa, assim como sua personagem, acabara de ganhar um elogio para esquecer jamais.

Embora tenha tido uma produção farta e de qualidade bem acima da média, Orestes Barbosa não é um dos escritores mais conhecidos de sua época – caiu num esquecimento que a muitos pode parecer injusto. Um livro lançado neste início de ano tenta reverter essa situação. É Orestes Barbosa – Repórter, Cronista e Poeta (Editora Agir, 684 págs., R$ 79,90). O autor é o musicólogo Carlos Didier. O mesmo que, em parceria com João Máximo, escreveu Noel Rosa, uma Biografia.

O livro é baseado em uma pesquisa exaustiva – o que fica evidente no calhamaço de notas, catálogos e índices ao fim do volume. Didier conta que ficou de 1987 até 2004 procurando dados sobre seu personagem. O resultado é uma biografia que tem cara de definitiva. Conta em detalhes a vida do poeta, desde sua infância pobre – praticamente um menino de rua – até as homenagens já na velhice. É tão completo que chega a listar em um índice a parte todas as crônicas que, durante anos, ele publicou em jornais, uma a uma.

Apesar disso, o livro não é acadêmico. Pelo contrário. É como se fosse um romance, sobre um homem que de certa maneira simboliza o Rio de Janeiro e o Brasil urbano do começo do século 20. Nascido em 1893, Orestes Barbosa começou a carreira como revisor de jornal. Como repórter, escreveu principalmente sobre a vida na cidade. Depois de ir preso por uma disputa pessoal, fez um livro só de crônicas sobre a vida dos que viviam atrás das grades.

Chegou a ser dono de jornal. O Jornada defendia lutas populares. Uma manchete famosa, de 1.º de dezembro de 1932, fala sobre um plano para desalojar moradores do Morro de São Carlos. "Como o Capitalismo Trata a Pobreza", estampava a capa da publicação. Pouco depois, por pressão de gente poderosa, o jornal sumia.

Nos anos 30, depois de ter alguns poemas seus musicados, decide escrever ele próprio já pensando em entregar os versos para serem musicados. Aproxima-se dos maiores nomes do samba da época, como Noel Rosa e Cartola, na época um jovem de 24 anos que o levou para conhecer um "samba de verdade" no morro da Mangueira. Começam a surgir suas músicas mais famosas, que culminariam em 1935 com o "Chão de Estrelas".

O livro mostra um homem integral, além do poeta que as canções revelam. Jornalista, trabalhador, contrário de todos os modos ao capitalismo. Conta sua única tentativa de entrar para a Academia Brasileira de Letras (não recebeu voto algum), logo no início da carreira. Mais tarde, depois de interromper e retomar as atividades como letrista, revela o pai de família e o avô escrevendo versos ingênuos para os netinhos. E retrata, sobretudo, o mundo em que viveu. Algo que já deveria ter sido feito há muito tempo.

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