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Olavinho, da novela Começar de Novo, é escritor. Assim como o Bartolo, de Terra Nostra, Mohamed, de O Clone, e o Assis Chateaubriand, da minissérie Um Só Coração. Todos eles são um: Antonio Calloni, um dos atores mais versáteis do Brasil, capaz de interpretar um feirante e um milionário com o mesmo talento.

Embora tenha quatro livros publicados e conquistado o respeito de figuras maiúsculas como Millôr Fernandes – que, em e-mail ao ator-escritor, comentou sua novela Amanhã Eu Vou Dançar: "Pode continuar. Ou parar por aqui. O elogio é o mesmo". Além da novela (literária), lançada em 2002, a bibliografia de Calloni conta com uma livro de poesia, Os Infantes de Dezembro (1999), e dois de contos – A Ilha de Sagitário (2000) foi o primeiro deles. O mais recente, O Sorriso de Serapião (Bertrand Brasil, 112 págs., R$ 25), acaba de ser lançado.

Filho de imigrantes vindos da Toscana, na Itália, Calloni nasceu em São Paulo há 44 anos. Não terminou a faculdade de Ciências Sociais, da Universidade de São Paulo, mas estudou no Centro de Pesquisas Teatrais de Antunes Filho. Seus próximos trabalhos estréiam no ano que vem, quando chega aos cinemas o filme Anjos do Sol, de Rudi Lagemann, sobre prostituição infantil, e a Rede Globo exibe a minissérie JK, baseada na história do presidente Juscelino Kubitschek.

De sua casa, na zona sul do Rio de Janeiro, ele conversou com o Caderno G sobre literatura, televisão, cinema e política. Confira os melhores momentos da entrevista.

Caderno G – No Brasil, o que é mais difícil: ser ator ou ser escritor?

Acho que, no Brasil, é difícil sobreviver como artista de um modo geral. É difícil em termos financeiros e fascinante em termos artísticos. Porque o Brasil e o seu povo são materiais muito inspiradores para o artista. É de uma dificuldade extrema, porque o Brasil não valoriza a cultura e os governos não valorizam a cultura.

Você parece ter uma queda por narrativas curtas, precisas. Já pensou em escrever um romance?Eu nunca pensei em escrever uma narrativa maior, com mais personagens. Por mais que trabalhe e retrabalhe as coisas que escrevo, nunca tive a preocupação com o tamanho. Não é planejado que as histórias sejam curtas. Elas acontecem assim porque a minha forma de expressão, por enquanto, é essa. Eu não sei se, algum outro dia, vou fazer uma obra com maior fôlego. Realmente não sei.

O que está lendo hoje?Estou relendo um livro que li muitos anos atrás, Assim Falou Zaratustra (de Friedrich Nietzsche). E também estou lendo a biografia de Augusto Frederico Schmidt (Quem Contará as Pequenas Histórias, de Letícia Mey e Euda Alvim, editada pela Globo), um personagem fantástico que vou fazer na minissérie JK (sobre o presidente Juscelino Kubitschek), de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira.

Você voltou ao Nietzsche por algum motivo?Ele tem um amor à vida muito grande. As pessoas falam que ele é niilista, mas eu acho estranho dizer isso dele. Mas, enfim, já está estabelecido – todo mundo fala niilismo e associa com o Nietzsche. Eu acho que ele tem um amor à vida, um amor ao homem, ao ser humano e uma vontade de compreender a vida que chega a ser brutal. Completamente amoral. Era um grande artista.

O impulso que o leva a escrever é o mesmo que o leva a subir em um palco?O impulso da criação é sempre o mesmo. Material está aí, é a vida, não tem nada muito específico. As coisas que me impulsionam – como ator ou como escritor – estão na vida e, às vezes, em coisas muito simples: um bate-papo, uma besteira qualquer, uma bobagem, não precisa ser algo erudito ou muito inteligente, não. Pode ser uma bobagem, também.

Seu conto "A Trajetória" lembra o trabalho do escritor americano David Foster Wallace, por apresentar uma história que, na verdade, é somente o argumento de uma história. Assim como Wallace, você se liga em jogos pós-modernos?Eu não gosto dessa palavra (pós-moderno).

Se você quiser me dar um sinônimo...Pós-moderno, entre parênteses, "risos" (risos).

Vamos usar "jogos literários". Você gosta desses jogos? Gosto muito de questionar a própria feitura do conto. Por exemplo, no "Serapião" (o conto "O Sorriso de Serapião") tem o narrador entrando na história, não sei se você lembra. O narrador segue o Serapião pelas ruas de São Paulo. Na minha novela, Amanhã Eu Vou Dançar, também tem muito isso.

Um dos filmes que você fez para o cinema, 16060, de Vinicius Mainardi, é um dos mais subvalorizados e mal-compreendidos da história recente do Brasil.Também acho.

O filme faz uma crítica corrosiva à sociedade brasileira... A tudo e a todos, não se salva ninguém.

...e parece que o cinema brasileiro não está acostumado com isso. É um cinema que prefere assoprar do que bater? O cinema brasileiro tem de ter de tudo – filmes que assopram, filmes que batem. O Brasil comporta tudo – e acho maravilhoso isso –, desde música clássica, até pagode e axé.

Você dublou o Garfield (2004).Dublei com uma alegria extrema. Você quer um filme mais pipoca do que Garfield? Mais pipoca do que isso, impossível. Acho fundamental você não ter preconceito e saber o que está fazendo.

Você busca esse balanço entre trabalhos comerciais e outros, pessoais?Vamos dar um exemplo concreto (de trabalho comercial). Dentro de uma novela, eu sei o que estou fazendo. É uma novela de televisão que visa principalmente o entretenimento. É entretenimento puro. E eu acho que faz um bem danado para a saúde. Tenho orgulho de fazer o entretenimento só pelo entretenimento, ou seja, colocar uma pessoa na frente da televisão para sonhar com uma história fictícia e relaxar durante 45 minutos. Sem nenhuma mensagem, sem nenhuma campanha, sem educação, nada. Só para ela sonhar. Sem brincadeira, eu me orgulho de fazer novela.

Chamam de escapismo, não?Você apresenta um produto para a pessoa e ela usa como quiser. Não se tem muito controle sobre isso. Existem pessoas que usam para escapismo, ou para relaxar, ou para divertir. Aí foge ao controle da gente. Mas eu acho que não é só escapismo, é o relaxamento – acho isso fundamental para a saúde. Não é "só entretenimento", o ser humano precisa disso. Isso não é pouco. Ir a um parque de diversões, em uma montanha russa, ficar brincando em um carrinho de bater é fundamental para a saúde. Às vezes, as pessoas querem profundidade em tudo e isso não é necessário, não é real. A gente não é assim.

Como você encara os absurdos da vida política brasileira?Eu não tenho nada muito novo para contar. Só aquelas coisas antigas que você já deve ter ouvido milhões de vezes: o poder corrompe. Isso está mais claro do que nunca.

Se preferir, não precisa responder: você votou no Lula?Vou responder, sim. Exerci meu direito de cidadão com o maior orgulho: eu anulei o meu voto. As pessoas dizem que isso não é um exercício de cidadania, mas eu digo que é, sim. Porque, mesmo anulando o meu voto, eu trabalho, pago imposto e tenho direito de exigir de quem quer que seja que faça um bom governo. Sou um cidadão político na medida em que eu trabalho, produzo, emito as minhas opiniões e me relaciono com as pessoas. Cansei de votar do menos pior.

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