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Psicologia

Os abalos na ponte que leva à vida adulta

A música, a moda e o gosto por jogos eletrônicos servem para aproximar gerações. Mas o compartilhamento de interesses pode atrapalhar o processo natural de revolta que caracteriza a adolescência

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O rock não tem geração. Sua permanência como gênero musical ficou clara em shows e festivais recentes em que pais e filhos se abraçaram na multidão para curtir um som juntos. Esse compartilhamento de ídolos pode sugerir que o conflito familiar é coisa do passado, diluído graças a gostos em comum. E pode ser verdade, contanto que cada um continue cumprindo com seu papel no palco doméstico. É o que pensam psicanalistas e psicólogos que trabalham com famílias ouvidos pela Gazeta do Povo.

Para atravessar a ponte entre a infância e a maturidade e construir sua própria identidade, o adolescente precisa de duas coisas, de acordo com o psicólogo e educador Marcos Meier: afastar as figuras de autoridade – em geral, o pai e a mãe – e se expressar.

Mostrar que ele é diferente, que pensa sozinho, tem aptidões diferentes das dos pais. O problema quando a fruição cultural em casa é muito parecida – e não só ela: entram aí as roupas e celulares do mesmo modelo e o mesmo interesse pelo videogame – o adolescente fica sem símbolos de rebeldia.

"A geração dos pais de hoje em dia se rebelou gostando de rock. Eles iam aos shows e os pais deles odiavam aquilo, era um Deus nos acuda. Essa foi uma forma de fazer separação entre pai e filho."

O psicanalista Contardo Calligaris citou em sua coluna na Folha de S. Paulo, em outubro, a época em que os pais sofriam com as escolhas musicais dos filhos: "Como eles aprovariam Elvis, com aquele rebolado que já era um ato sexual? E todos os que eram drogados, rebeldes, andarilhos do amor livre?".

Esses jovens tiveram filhos e, em grande parte, mantiveram o apreço saudosista por aqueles transgressores. Tanto que o pop-rock que embala as baladas dos seus garotos hoje parece inofensivo, e, por isso mesmo, é estimulado. Com alguns ídolos que agradam os pais e outros que compartilha com eles (veja exemplos na página 3), o jovem sente falta de símbolos de sua necessária rebeldia, na opinião de Meier.

Necessária? Pois é. "A psicanálise prega a crise adolescente, o questionamento de valores como algo normal e esperado. Não é uma patologia. E o que está acontecendo hoje em dia é o contrário disso. Está se criando uma geração de adolescentes mais idiotizados, que chegam à vida adulta sem ter questionado quase nada e reproduzindo os mesmos valores da geração anterior", desabafa o psicólogo Elcio Rossa, que há algum tempo se incomoda com essa nova conformação das famílias.

Isso porque o questionamento de valores, ídolos, religiosidade etc. é algo de que a sociedade precisa. É o que sugerem Arminda Aberastury e Maurício Knobel no livro Adolescência Normal – Um Enfoque Psicanalítico, obra sugerida por Rossa aos pais que desejam entender melhor seus filhos.

Juventude transviada

Batidas de porta à parte, aparentemente o clima dento de casas com adolescentes está mais ameno. Além de todos os rádios terem sido sintonizados na mesma estação, o que mais contribuiu para isso? Teorias não faltam. O motivo mais apontado é o culto à juventude e o desprezo à velhice. Por mais que estatutos busquem garantir os direitos de quem tem mais de 60 e campanhas façam uma ginástica linguística (em que "maioridade" vira "melhor idade"), ninguém hoje quer envelhecer.

E, como diz a professora da PUC e psicanalista Shirley Rialto Sesarino, tornar-se o "velho" do seu filho é como passar por uma morte precoce (leia entrevista na página 3). Para evitar que isso aconteça, valé até fingir que se tem a mesma idade do rebento.

Aqui mesclam-se duas questões. O próprio instinto de autopreservação e sobrevivência do adulto que caminha para a terceira idade e o desejo de manter a proximidade do filho – que, para crescer, precisa se afastar.

"O ideal é que os pais não tentem ser jovens. Mas a sociedade está denegrindo a imagem do idoso a ponto de se dizer 'tenho 60 anos, mas sou jovem'", lembra Meier.

E não se trata apenas de uma questão semântica ou filosófica. Se o adolescente retarda sua revolta e tem em casa um ambiente tão propício a suas escolhas e seu jeito de ser, nada mais natural do que ele estender esse momento o quanto puder. E a maturidade demora a aparecer.

A característica gregária do brasileiro ajuda, e cada vez mais atrasa-se a saída do jovem de casa – uma enquete recentemente citada pela revista Veja, que ouviu 2.425 jovens em seis capitais e no interior de São Paulo, mostrou que 82% manifestam pouco ou nenhum desejo de sair de casa ou de perto dos pais, principalmente devido ao bom relacionamento.

Tudo bem, mas o ideal é que essa permanência envolva uma parceria financeira. "Senão, você acaba tendo homens e mulheres dentro de casa, imaturos e frágeis emocionalmente, que não assumem compromissos", opina Meier.

O que fazer?

Aos pais que tenham se identificado com alguma coisa que foi dita aqui, vale lembrar que cada caso é um caso. De maneira geral, os psicólogos sugerem "não ficar forçando a barra para gostar das mesmas coisas que o adolescente", nas palavras de Meier. Ele sugere o livro Pais Educadores – É Proibido Proibir?, de Isabel Parolin, como uma fonte bem atualizada de informações sobre o assunto.

É hora de assumir o papel de pai e mãe e deixar de passar a mão na cabeça. Diz Élcio: "Não acho que os pais estejam entendo mais o adolescente. Estão é mais coniventes. Não colocam limites – o que era só pregado há 40 pelos hippies, que é proibido dizer não, hoje é feito na prática. 'Se não pode vencê-los, junte-se a eles!'."

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Interatividade

Que ídolos você e seu filho compartilham? Isso contribui para o bom relacionamento?

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