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Convívio

Diversão conjunta desperta temas para conversa

Se, por um lado, o compartilhamento de ídolos entre pais e filhos pode esconder a dificuldade de evolução de uma das duas gerações, esse interesse em comum pode abrir caminho para boas conversas.

"Ir ao teatro e cinema juntos sempre traz elementos externos que provocam de alguma forma um debate, por mais simples que seja", garante o diretor da companhia de teatro Vigor Mortis, Paulo Biscaia Filho, referindo-se à relação com a filha Helena. Detalhe: ela tem apenas 6 anos. Um dos elos entre pai e filha tem sido a série de filmes Star Wars. Primeiro, era só diversão. Depois, quando a menina percebeu no colégio que aquela era uma referência mais masculina que feminina, virou uma brincadeira só entre quatro paredes. "Digo ‘Helena... eu sou seu pai!’ e ela ‘Nãaaao!’", conta, parodiando o confronto entre Darth Vader e Luke Skywalker em O Império Contra-Ataca.

"Tenho relatos de pais que começaram a se interessar por um instrumento musical e isso despertou no filho o mesmo desejo, o que abriu as portas para outros assuntos", conta a psicóloga da linha sistêmica familiar Tatiana Centurion.

Vale tudo, contanto que o pai não se torne um adversário, um rival disputando espaço. "Nada impede que eles tenham o mesmo gosto cultural e por alguns hobbies. Mas, por exemplo, no caso do videogame: é importante que, quando o filho convidar amigos, o pai não se sinta incluído."

"Acho positivo [transmitir aos filhos os gostos dos pais]. Mais ainda se puder haver atrito, questionamento e não simplesmente um aceite cego por parte dos filhos. Se não, não evolui o pensamento. Você tem que olhar para o que é dito no passado com alguma tensão e algum desejo de questionamento – o que deveria ser natural no olhar de qualquer jovem", sentencia Biscaia.

Em artigo ao Portal Educacional, do Grupo Positivo, a psicóloga Andréia Schmidt aborda a tietagem adolescente como uma janela para que os pais conheçam melhor seus filhos. "Discutir sobre os gostos, os desejos, enfim, as preferências dos adolescentes nessa fase pode ser uma experiência muito rica para os pais", sugere.

Entrevista

Os pais também querem fazer parte da turma

Shirley Rialto Sesarino, psicanalista e professora da PUCPR

O maior desejo da psicanalista e professora da PUCPR Shirley Rialto Sesarino quando fala na relação entre pais e filhos adolescentes é que os primeiros se sintam realizados quando chegar a inevitável independência da prole. Porque, se eles se "desgrudarem", contruírem vida própria e definirem seus gostos individualmente, esse será um indicativo de uma criação bem-sucedida. Ela falou sobre isso com a Gazeta do Povo:

É saudável que filhos e pais compartilhem atrações culturais?

É superbacana que pais possam possibilitar isso aos filhos, levar a programas culturais. Desde que façam isso como pais: "vou te levar a um show porque também é do meu tempo". Mas o que vai determinar se isso vai ser bacana é a posição que pai e filho já construíram até ali. Se os pais sabem a diferença de estar indo com os filhos na condição de pais. Tem alguns que vão para a balada e se demitem da condição de pai, como se fosse um dia de folga.

De que formas isso acontece dentro de casa?

Aos 40 anos, uma mulher pode ter uma filha adolescente, que está na "vez" de ser jovem, mas essa mãe, ou o pai, não "passa a vez". Continua querendo ocupar esse lugar. Só que, para os filhos serem jovens, precisam enxergar os pais como mais velhos. E ninguém mais quer ocupar essa posição. Então, os pais costumam adotar um desses dois mecanismos: ou dizem que o adolescente não está pronto ainda ("você não sabe nada!") ou "eu sou da tua turma, não brigue comigo".

Qual é o problema por trás dessas frases?

Uma coisa de que pais e mães têm muito medo é de serem superados pelos filhos. Entre os 17 e 22 anos, principalmente, é a fase em que o jovem, para se afirmar, tem a tendência de dizer que os pais não estão com nada, não entendem "como as coisas funcionam agora". E os pais têm muito medo dessa separação – apesar de ela ser natural e importante para o filho –, porque é como passar por uma certa morte. Mas, para que o filho conquiste uma posição de autonomia, é natural que diga que não está mais de acordo. Só que os pais vivem isso como "meu filho não me ama mais". Para não correr esse risco, têm que fazer parte da turma dele, e trabalham contra a separação. Mas se sou amiga do meu filho para sempre, quem vai ser a mãe dele?

Por que a revolta adolescente é necessária?

A questão da revolta é uma constante: faz parte do pacote da adolescência. Dizer que o adolescente é rebelde é algo que está nas produções culturais desde os anos 50, como no filme Juventude Transviada. Mas é preciso se revoltar com a posição de criança para poder crescer. "Revoltar-se" significa "voltar-se para outro lugar". Estou na minha posição infantil, em que minha mãe me deixa ou não ir a algum lugar, decide se paro ou continuo o inglês e a natação, sem muita autonomia. Para chegar à vida adulta, há esse tempo que chamamos de "passagem". As sociedades tradicionais tinham ritos para isso, mas na nossa eles estão enfraquecidos.

Quais são eles?

Temos a formatura, o bar mitzvah na cultura judaica, a crisma na católica, houve o baile de debutante... mas tudo isso está enfraquecido. Hoje eles são rituais que não passam ninguém para lado nenhum, e cabe a cada um, por meio da sua revolta, sair da dependência infantil para um lugar em que banque sua própria posição e o que pretende da vida. Revolta é o que cada um tem que fazer para dar conta de construir uma posição de autonomia, em que "pago minhas contas e me mando".

Com tudo isso, a senhora acredita que hoje os adolescentes estejam pulando a etapa da revolta?

Em Psicologia pensamos cada caso individualmente. Mas, culturalmente, temos sim um movimento em que todo mundo quer ser jovem. Só não quer ser jovem o próprio jovem – porque para ele essa fase significa ficar em dúvida. "Como eu vou conquistar um namorado? Que profissão escolher? Será que vou arrumar emprego?" Enquanto isso, as crianças esperam o dia da adolescência e os adultos sonham em continuar com um corpo jovem e tendo liberdade, já que ser jovem é poder fazer tudo o que o adulto faz, mas tendo alguém que pague o preço por ele...

Se alguém se identificar com essa atitude e quiser mudar, o que pode fazer?

Encontrar um caminho para poder usufruir cada tempo da vida. Não é só o tempo da juventude que tem suas realizações. Gosto muito da ideia de pai e mãe verem com alegria que o filho foi para a vida dele, responde por suas coisas com autonomia, já pode se casar, não dá tanta bola para os pais. Isso mostra que conquistou uma independência. Qual a realização dos pais nisso? "Demos certo como pai e mãe." Se os filhos foram para longe e conseguiram cuidar da sua vida, missão cumprida.

O rock não tem geração. Sua permanência como gênero musical ficou clara em shows e festivais recentes em que pais e filhos se abraçaram na multidão para curtir um som juntos. Esse compartilhamento de ídolos pode sugerir que o conflito familiar é coisa do passado, diluído graças a gostos em comum. E pode ser verdade, contanto que cada um continue cumprindo com seu papel no palco doméstico. É o que pensam psicanalistas e psicólogos que trabalham com famílias ouvidos pela Gazeta do Povo.

Para atravessar a ponte entre a infância e a maturidade e construir sua própria identidade, o adolescente precisa de duas coisas, de acordo com o psicólogo e educador Marcos Meier: afastar as figuras de autoridade – em geral, o pai e a mãe – e se expressar.

Mostrar que ele é diferente, que pensa sozinho, tem aptidões diferentes das dos pais. O problema quando a fruição cultural em casa é muito parecida – e não só ela: entram aí as roupas e celulares do mesmo modelo e o mesmo interesse pelo videogame – o adolescente fica sem símbolos de rebeldia.

"A geração dos pais de hoje em dia se rebelou gostando de rock. Eles iam aos shows e os pais deles odiavam aquilo, era um Deus nos acuda. Essa foi uma forma de fazer separação entre pai e filho."

O psicanalista Contardo Calligaris citou em sua coluna na Folha de S. Paulo, em outubro, a época em que os pais sofriam com as escolhas musicais dos filhos: "Como eles aprovariam Elvis, com aquele rebolado que já era um ato sexual? E todos os que eram drogados, rebeldes, andarilhos do amor livre?".

Esses jovens tiveram filhos e, em grande parte, mantiveram o apreço saudosista por aqueles transgressores. Tanto que o pop-rock que embala as baladas dos seus garotos hoje parece inofensivo, e, por isso mesmo, é estimulado. Com alguns ídolos que agradam os pais e outros que compartilha com eles (veja exemplos na página 3), o jovem sente falta de símbolos de sua necessária rebeldia, na opinião de Meier.

Necessária? Pois é. "A psicanálise prega a crise adolescente, o questionamento de valores como algo normal e esperado. Não é uma patologia. E o que está acontecendo hoje em dia é o contrário disso. Está se criando uma geração de adolescentes mais idiotizados, que chegam à vida adulta sem ter questionado quase nada e reproduzindo os mesmos valores da geração anterior", desabafa o psicólogo Elcio Rossa, que há algum tempo se incomoda com essa nova conformação das famílias.

Isso porque o questionamento de valores, ídolos, religiosidade etc. é algo de que a sociedade precisa. É o que sugerem Arminda Aberastury e Maurício Knobel no livro Adolescência Normal – Um Enfoque Psicanalítico, obra sugerida por Rossa aos pais que desejam entender melhor seus filhos.

Juventude transviada

Batidas de porta à parte, aparentemente o clima dento de casas com adolescentes está mais ameno. Além de todos os rádios terem sido sintonizados na mesma estação, o que mais contribuiu para isso? Teorias não faltam. O motivo mais apontado é o culto à juventude e o desprezo à velhice. Por mais que estatutos busquem garantir os direitos de quem tem mais de 60 e campanhas façam uma ginástica linguística (em que "maioridade" vira "melhor idade"), ninguém hoje quer envelhecer.

E, como diz a professora da PUC e psicanalista Shirley Rialto Sesarino, tornar-se o "velho" do seu filho é como passar por uma morte precoce (leia entrevista na página 3). Para evitar que isso aconteça, valé até fingir que se tem a mesma idade do rebento.

Aqui mesclam-se duas questões. O próprio instinto de autopreservação e sobrevivência do adulto que caminha para a terceira idade e o desejo de manter a proximidade do filho – que, para crescer, precisa se afastar.

"O ideal é que os pais não tentem ser jovens. Mas a sociedade está denegrindo a imagem do idoso a ponto de se dizer 'tenho 60 anos, mas sou jovem'", lembra Meier.

E não se trata apenas de uma questão semântica ou filosófica. Se o adolescente retarda sua revolta e tem em casa um ambiente tão propício a suas escolhas e seu jeito de ser, nada mais natural do que ele estender esse momento o quanto puder. E a maturidade demora a aparecer.

A característica gregária do brasileiro ajuda, e cada vez mais atrasa-se a saída do jovem de casa – uma enquete recentemente citada pela revista Veja, que ouviu 2.425 jovens em seis capitais e no interior de São Paulo, mostrou que 82% manifestam pouco ou nenhum desejo de sair de casa ou de perto dos pais, principalmente devido ao bom relacionamento.

Tudo bem, mas o ideal é que essa permanência envolva uma parceria financeira. "Senão, você acaba tendo homens e mulheres dentro de casa, imaturos e frágeis emocionalmente, que não assumem compromissos", opina Meier.

O que fazer?

Aos pais que tenham se identificado com alguma coisa que foi dita aqui, vale lembrar que cada caso é um caso. De maneira geral, os psicólogos sugerem "não ficar forçando a barra para gostar das mesmas coisas que o adolescente", nas palavras de Meier. Ele sugere o livro Pais Educadores – É Proibido Proibir?, de Isabel Parolin, como uma fonte bem atualizada de informações sobre o assunto.

É hora de assumir o papel de pai e mãe e deixar de passar a mão na cabeça. Diz Élcio: "Não acho que os pais estejam entendo mais o adolescente. Estão é mais coniventes. Não colocam limites – o que era só pregado há 40 pelos hippies, que é proibido dizer não, hoje é feito na prática. 'Se não pode vencê-los, junte-se a eles!'."

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Interatividade

Que ídolos você e seu filho compartilham? Isso contribui para o bom relacionamento?

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