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“Ainda que discutível, o rótulo ‘maldito’ é bem amplo. Várias coisas podem tornar ‘maldito’ um livro. Linguagem, temática, abordagem, enfim, elementos que transgridam ou coloquem em questão os códigos vigentes.” Marçal Aquino, escritor | Bel Pedrosa / Divulgação
“Ainda que discutível, o rótulo ‘maldito’ é bem amplo. Várias coisas podem tornar ‘maldito’ um livro. Linguagem, temática, abordagem, enfim, elementos que transgridam ou coloquem em questão os códigos vigentes.” Marçal Aquino, escritor| Foto: Bel Pedrosa / Divulgação

A pecha de maldito pode condenar um escritor a uma vida difícil, sem reconhecimento nem dinheiro, colocando-o numa estrada esburacada que arrisca levar a lugar nenhum. O sujeito morre e morre com ele todo o seu trabalho. Existem uns poucos que comem o pão amassado pelo dito-cujo, mas conseguem ganhar reconhecimento – com frequência, póstumo, mas conseguem.

Ser maldito e ao mesmo tempo lido em vida é um paradoxo raro, mas possível. Contradição colocada em prática pela Companhia das Letras, que acaba de lançar um selo só para autores polêmicos. Com bom humor, a editora os descreve como "banidos pela igreja" e "condenados à fogueira", situações raras até mesmo para os tempos politicamente corretos de hoje em dia.

O selo Má Companhia começa com duas publicações, O Invasor, de Marçal Aquino, e Tanto Faz & Abacaxi, de Reinaldo Moraes, ambas novas edições de obras que se tornaram raras, perseguidas por leitores em sebos do país.

O volume dedicado a Moraes (autor do recente sucesso Pornopopeia, da Objetiva) junta dois livros publicados originalmente nos anos 1980. Um brasileiro viaja para Paris e, depois de um ano de vagabundagem e muita leitura, decide assumir a carreira de escritor. Esse é o resumo de Tanto Faz. Abacaxi segue um personagem parecido com o protagonista do anterior, mas cujas aventuras se passam em Nova York.

Talvez O Invasor seja mais conhecido como filme, dirigido por Beto Brant a partir de um roteiro – e de um argumento – de Marçal Aquino. Em 1997, o escritor trabalhava na história quando o cineasta o convenceu a interromper o livro para trabalhar no roteiro do filme, que seria estrelado pelo titã Paulo Miklos no papel de um bandido envolvido com as tramoias de três engenheiros de São Paulo – dois deles o pagam para matar o terceiro que se recusa a participar de uma falcatrua. Aquino retomaria o livro cinco anos depois, concluindo um processo que o desgastou um bocado.

"Ainda que discutível, o rótulo ‘maldito’ é bem amplo", diz Aquino. Linguagem, temática e abordagem são alguns elementos que, no caso de transgredir os códigos vigentes, podem criar a aura de amaldiçoado. "Também pode ocorrer de o livro se tornar maldito pela forma de chegada ao mercado – e aqui não resisto e cito como exemplo o grande Jamil Snege [1939-2003], cujos livros ele nunca permitiu que fossem lançados por editoras estabelecidas e que, graças a isso, migraram de malditos a objeto de culto. Por fim, resta o escritor maldito, em geral por seu comportamento em desacordo com a norma reinante", explica Aquino.

Para Reinaldo Moraes, há uma fórmula "infantiloide" que define sexo, drogas e "ócio voluptuosamente desfrutado" como ingredientes de um livro maldito. "A história e a narrativa dos meus livros se ocupam de outras coisas que não vou destrinchar aqui, pois, pra começar, tenho apenas uma vaga ideia de quais sejam. Ao escrever, me preocupo muito mais com o ‘como’ (o narrar) do que com temas e motivos super ou subjacentes. No entanto, basta um personagem acender um réles charo que lá vem a carimbada: ‘Maldito’. Que preguiça... O nome da coleção, porém, tem uma clara intenção irônica, acho eu", diz Moraes.

Moraes pode ter características que o aproximam de Henry Miller (1891-1980), o norte-americano que escreveu Sexus e Trópico de Câncer. "Se aos 80 anos tiver uma loiraça peituda ao alcance da minha lubricidade anciã, como ele teve, me darei por satisfeito com esse tipo de comparação", diz. O autor chegou a rever os textos antes da nova edição. "Fiz um copidesque pontual, nada que resulte em mudança de estilo ou, pior, de enredo."

De volta ao Invasor, Marçal Aquino explica que o seu prazer é descobrir a história à medida que vai escrevendo, exatamente o que não teve com o livro-filme. "Eu sabia demais sobre O Invasor, tinha perdido o prazer da descoberta, do assombro com aquilo que se mostra repentinamente, que, afinal de contas, é o que mais importa no ato da escrita."

Embora tenha uma relação profícua com o cinema, Aquino diz que o seu negócio é de fato as letras. "Até brinco dizendo que, no Juízo Final, gostaria de estar na fila dos escritores. Ou seja, literatura é a coisa pela qual espero ter de responder", diz. "É bem simples: qualquer ideia que me ocorre, penso na hora: dá um conto, uma novela, um romance. Nunca imagino: dá um bom filme. É evidente a influência do cinema na minha escrita, mas acredito que isso se deve muito mais à minha grande paixão por filmes, desde muito novo, do que pela minha experiência como roteirista."

Serviço: O Invasor, de Marçal Aquino. Má Companhia, 128 págs., R$ 19. Tanto Faz & Abacaxi, de Reinaldo Moraes. Má Companhia, 344 págs., R$ 25.

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