
Eles não querem ser chamados de clowns, essa palavra estrangeira, afetada, que sugere sofisticação. São palhaços. Dois belos moços, jovens e altos. Muito altos. Silvestre Neto, vulgo Macaxeira, tem 1,92. Felipe de Oliveira é (pasmem) meio centímetro maior. Uma enfermeira impressionada com tanta altura e ombros tão estreitos o batizou quase numa interjeição: "Sarrafo!" (Que vem a ser uma tira de madeira).
Os dois fazem graça pelos palcos curitibanos com a Cia. dos Palhaços, em espetáculos como A Regra É Cômica e Concerto em Ri Maior. Com a cara limpa, porém, falam sério sobre a arte que abraçaram e os sustenta.
Por que dar tanta importância à estatura incomum dos rapazes? É que a essência de ser palhaço pode estar aí: em assumir as coisas como são. Não tentar disfarçar nem magreza nem gordura. "O palhaço não tem esses melindres das outras pessoas", diz Felipe. "Não tem medo de falar o que pensa. É gordo? É. É vesgo? É." Numa apresentação, ele escolheu entre aqueles que se voluntariavam de indicadores apontados para o céu justamente um espectador a quem faltava o dedo, reparando e alardeando a "deficiência" em alto e bom som. "A plateia só foi relaxar quando viu que o cara se divertia com a gente", conta.
A verdade faz rir, eles sabem, ainda que venha um riso nervoso. Esse é um trunfo do palhaço. Outro é a falta de regras, como diz Silvestre: "O palhaço é um transgressor. Coloca o rei e o mendigo no mesmo plano. Mexe a bunda, passa a mão na cabeça do prefeito e se permite soltar um pum na frente da mãe de alguém."
Uma atitude infantil? Que nada. Felipe, ao menos, está convencido de que "palhaço não é para criança". Diz isso muito seriamente, pensando em como a figura cômica circulava pela corte europeia, por exemplo. "O palhaço era quem falava a verdade ao rei, criticando a sociedade. Foi com o circo de lona, nas trocas entre os números e montagens de aparelhos, que ele começou a entrar para distrair e improvisar, passando essa imagem de que palhaço é para criança."
A Regra É Cômica e Concerto em Ri Maior foram criados para um público adulto. Felipe até já fez animação de festa infantil, quando ainda era amador, mas sua arte tomou outro rumo.
Nada bobo
Essa associação com o universo infantil, segundo eles, faz pais chegarem ao fim do espetáculo, dizendo que seus filhos se divertiram, quando foram eles, os adultos, que mais riram. Cria dificuldades, reforça preconceitos.
Nem Felipe nem Silvestre gostam do uso corriqueiro da palavra "palhaço" para dizer que alguém foi inferiorizado ou feito de bobo. Por essa lógica, criticam também que se use o nariz vermelho em protestos. "O bom palhaço só se faz de bobo", diz Silvestre, o Macaxeira. "Tem de ser muito esperto", completa Felipe, o Sarrafo.
Para eles, palhaço é uma construção interior e em mutação. Nunca um personagem, ou seja, nunca delimitado ou fixo. "Quando coloco o figurino e a maquiagem, faço coisas que eu não faria por mim mesmo. Mas ainda sou o Felipe por trás do palhaço", diz o rapaz, sugerindo afinal que o palhaço é, sobretudo, um ser sempre consciente.



