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Os interesses de Saviano vão de Messi à HQ 300, de Frank Miller | Tiziana Fabi/AFP
Os interesses de Saviano vão de Messi à HQ 300, de Frank Miller| Foto: Tiziana Fabi/AFP

Os 27 textos de Roberto Saviano compilados em A Beleza e o Inferno, 25 publicados na imprensa internacional e dois inéditos, têm ao menos uma característica em comum. Embora tratem de assuntos diversos, todos são extremamente sérios. Não se trata de uma seriedade científica ou meramente jornalística, é um sentimento que beira a tensão. O estilo de Saviano é muito, muito tenso.

Mesmo quando se permite escrever sobre ídolos ou obras que admira bastante, quando mostra sua admiração pelo pianista de jazz Michel Petrucciani (1962-1999) ou fala de 300, a história em quadrinhos de Frank Miller, ele não relaxa. Parece que está escrevendo com os pés enterrados numa trincheira, enquanto tenta sobreviver aos bombardeios de uma guerra. E, de certa forma, a metáfora explica a vida do escritor desde que publicou o livro-reportagem Gomorra (Bertrand Brasil), denunciando esquemas da máfia napolitana que se estendem a várias partes do mundo.

Combater a máfia é o tema de Saviano, aquele que mais o interessa. Ele crê no poder da palavra e escreve sobre essa fé na apresentação "O Perigo de Ler". Por ter enfrentado a Camorra, rede poderosa de crime organizado na Itália, tem sua cabeça a prêmio. Com 31 anos, vive escondido há quase cinco e não pode abrir mão da escolta que lhe foi dada como proteção.

Passa a maior parte dos dias em quartos de hotel, sua vida social se limita às conversas com os guarda-costas e aos eventos literários de que participa. Em um destes, na Academia Sueca de Estocolmo, responsável pelo Prêmio Nobel de Literatura, Saviano conheceu Salman Rushdie (Os Versos Satânicos), escritor que conviveu uma década com a sentença de morte do aiatolá Khomeini. Rushdie o aconselhou "como resolver muitos problemas cotidianos e como resistir sob um assédio contínuo".

Por temer pela própria vida, Saviano teve de abdicar dela de certa forma. "Escrever, nestes anos, me deu a possibilidade de existir", diz. A tensão em seus textos se justifica, pois são, enfim, despachos da guerra que ele ainda trava contra a máfia. Os seis trabalhos reunidos no segmento "Sul" de A Beleza e o Inferno falam de crimes específicos, do grupo de mercenários "covardes" que trabalham para os camorristas assassinando friamente os seus alvos.

Nas reportagens em primeira pessoa, ele dá detalhes sobre como a máfia migrou do ramo da construção civil para fazer fortunas com o lixo, despejando-o onde bem entendem sem se preocupar com as consequências.

"Quando há uma inundação, a primeira coisa que falta é água potável", escreve o autor, citando um ditado catalão que ilustra, na opinião dele, a dificuldade de se encontrar a verdade. Saviano argumenta que mesmo em situações extremas – ou sobretudo nelas –, não faltam maus-caracteres para tirar proveito da desgraça alheia. Fato ocorrido no terremoto que destruiu a região de Abruzzo há quase três décadas.

Luzes

As partes mais luminosas do livro aparecem em textos esportivos. O perfil do argentino Lionel Messi é uma ode ao jogador de futebol do Barcelona e o ensaio inspirado sobre boxe faz pensar em A Luta, de Norman Mailer.

"No ringue, você compreende bem quem é e quanto vale", diz o italiano. "Quando está lutando, não conta o direito, não conta a moral, nada conta a não ser o seu perímetro de carne, suas mãos, seus olhos. A velocidade ao bater e esquivar, a capacidade de sobreviver ou sucumbir, de vencer ou fugir. Não dá para mentir no contato físico. Não dá para pedir ajuda. Se o fizer, estará aceitando a derrota."

Ainda que a seriedade dê o tom do livro, é bonito ver Saviano se maravilhar com a homenagem que recebeu na Suécia – vários vencedores do Nobel assinaram um documento em sua defesa – e com a chance de conhecer Joe Pistone, o agente do FBI que detonou a família Bonanno, uma das líderes na máfia de Nova York. Vivendo sob o disfarce de Donnie Brasco (que foi também o nome do filme inspirado na sua história, com Al Pacino e Johnny Depp), Pistone se infiltrou no grupo de gângsteres por seis anos e levou mais de uma centena deles para a cadeia.

Em um texto sobre o escritor norte-americano William T. Vollmann (Por Que Vocês São Pobres?, Conrad), Saviano dá a medida de sua profissão: "O escritor não pode ser uma pessoa boa e, muitas vezes, chega a decidir escrever justamente pela incapacidade de sê-lo, mas por isso pode narrar com o sentimento de culpa de não poder mudar as coisas e com a esperança de que sua ação indireta possa, na realidade, multiplicar-se nas consciências e nas visões de seus leitores".

Serviço: A Beleza e o Inferno, de Roberto Saviano. Tradução de Karina Jannini. Bertrand Brasil, 294 págs., R$ 39.

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