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De um lado, o trompetista Dizzy Gillespie, morto em 1993, aos 75 anos. Do outro, o percussionista João Parahyba. O primeiro, acompanhado de guitarra, contrabaixo e bateria. O segundo, seguido por um pandeiro e por uma cuíca.

O encontro desse grupo incomum de músicos aconteceu em São Paulo, em 1974, no estúdio Eldorado. As gravações se estenderam por três dias e as fitas resultantes nunca viram a luz do dia. O produtor Norman Granz, que trabalhava com Dizzy, achou que o som não era comercial o suficiente.

Naquela época, nas palavras de Parahyba – reproduzidas no encarte do disco –, a visão que se tinha do samba brasileiro era a que Carmen Miranda apresentava para o mundo. Carmen era sensacional, mas o samba dela não tem nada a ver com o que se ouve em Dizzy Gillespie no Brasil com Trio Mocotó, um discaço que a Biscoito Fino acaba de lançar no Brasil.

Foi assim: dois anos atrás, o produtor suíço Jacques Muyol recebeu a cópia de um CD que havia passado de mão em mão, partindo de Dizzy, que passou a gravação para o amigo Arlindo Coutinho ainda na década de 70 (quando ainda não era um CD, obviamente).

Amigo pessoal de Dizzy, Muyol gostou do que ouviu e usou suas influências – a produtora Laser Swing – e lançou o álbum, en­­fim. A espera foi de 35 anos (36, para a versão brasileira). Os bastidores das gravações e do lançamento do disco de Dizzy com o Trio Mocotó são detalhados em textos no encarte do CD.

Quanto à música. São seis faixas e a reunião dos norte-americanos com os brasileiros inspiraram pelo menos um título hilário: "Rocking with Mocotó", um samba alucinado com um solo de cuíca inimaginável – cortesia de Fritz Escovão, talvez o sujeito que diz "Manda pau!" no início da faixa – e outro de pandeiro, feito por Nereu Gargalo. Depois de um tempo, Parahyba entra na música e a levada é de mexer com a alma de qualquer brasileiro. A cuíca volta e, com ela, o trompete de Dizzy. É quase um samba-enredo.

O álbum tem a participação da cantora Mary Stallings numa única faixa, "Evil Gal Blues": "Don't mess around with me", ela canta, encarando bem a responsabilidade de interpretar uma composição que ficou conhecida na voz de Dinah Washington.

O pandeiro pode parecer estranho para o jazz, mas a estranheza não dura dez segundos em "Behind the Moonbeam", candidata à melhor faixa do disco. Ela é otimista e Dizzy parece chamar atenção para as coisas boas da vida. O diálogo do trompete com a base rítmica funciona bem.

Para amantes do pandeiro e a quem interessar possa, Scott Feiner (que saiu no Brasil também pela Biscoito Fino) tem explorado com talento as possibilidades do pandeiro no jazz. Dele, experimente Dois Mundos (2008).

De volta ao Dizzy com Mocotó, "Samba", a faixa que abre o disco, tem uma levada que faz pensar em boteco carioca com chope e petisco. Dizzy entra em cena com suas bochechonas e se encaixa perfeitamente no quadro.

No começo de "The Truth" (a verdade), alguém berra: "Simbóra!" e quem dá as caras é a guitarra. Daí vem percussão e trompete. Esta é a faixa menos samba e mais jazz, fato incomum num álbum em que a fusão dos dois estilos é tão perfeita que se torna difícil dizer onde termina um e começa o outro.

Ficou faltando "Dizzy's Shout", composta pouco antes de começar as gravações pelo homem que dá nome à música. Ela tem trompete com surdina e guitarra sensual, criando um climinha romântico.

Mas a melhor parte é o grito do Dizzy, bem no final: "Arrrrrrrr!". GGGG

Serviço:

Dizzy Gillespie no Brasil com Trio Mocotó, Biscoito Fino, preço médio: R$ 40. Jazz.

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